A nova empreitada de Mike Patton

dead cross

O vocalista das bandas Faith No More e Mr. Bungle se junta a Dave Lombardo em novo projeto de hardcore: Dead Cross

Por João Dias, de Sacramento, Califórnia

Não é difícil se surpreender com Mike Patton. Dono de 1001 vozes e vocalista de 1001 bandas, Patton está em turné com seu novo grupo, o Dead Cross. O disco de estreia, homônimo, teve que ficar mais tempo na geladeira antes de ser lançado. O motivo é que Gabe Serbian (baterista do The Locust) que gravou os vocais deixou a banda e, para a missão, o baterista Dave Lombardo (Slayer, Fantômas, Suicidal Tendencies, Misfits) convidou Mike Patton.

Antes disso, Patton acertou com Lombardo de lançar o disco pela sua gravadora, a Ipecac Recordings. Com todas as bases gravadas e finalizadas, e o disco pronto para ser lançado, o projeto só se concretizou após Mike Patton aceitar o convite de Lombardo para cantar na banda, compor novas letras e gravar novas vozes para o disco. Em uma entrevista para o programa de rádio de Henry Rollins na KCWR, ele disse que “por um momento, pensei; sou um cara de 50 anos ou quase, posso fazer um disco de hardcore? E 15 segundos depois disse que sim”. O guitarrista Mike Crain (Retox) e o baixista Justin Pearson (The Locust, Retox) completam essa banda. Os dois podem não ter nomes muito conhecidos como os outros companheiros de banda, mas possuem uma trajetória musical consolidada aqui nos Estados Unidos. Ao ponto de alguns dizerem que Patton é só um luxo a mais para a banda.

Abrindo a noite do show dessa terça-feira (29) em Sacramento (CA) no Ace os Spades, o Secret Chiefs 3, banda do guitarrista Trey Spruance e do baixista Trevor Dunn, fizeram um show instrumental vanguardista com sonoridades únicas. Diversas influências e estilos musicais fazem deles uma banda extremamente complexa. Spruance e Dunn fizeram parte do Mr. Bungle e ainda existe muito da concepção musical Zorniana no Secret Chiefs 3. Uma experiência intrigante assisti-los ao vivo.

Ficou claro que apesar ser quase cinquentão, Mike Patton, ao vivo, rouba a cena. Ele sabe realizar o papel do frontman, seja à frente do Mondo Cane com toda a orquestração necessária para o conjunto, seja com um quarteto que toca sujo e pesado. O som da banda tem uma base de hardcore e punk, e recebe descargas letais de trash metal e speed trash. Isso molda a sonoridade de maneira agressiva e explosiva. Os timbres intensos e altos de sua voz abrem caminho para a experimentação e Patton, conscientemente, brinca com os limites e os extremos. Os berros que escutamos têm a mesma potência dos vocais do primeiro disco do Mr. Bungle, gravado em 1991. O Dead Cross, vai além do peso do Dillinger Scape Plan, outro projeto que Patton participou e que tem um som muito agressivo. Segundo Dave Lombardo, esse é o disco mais pesado de sua carreira. Se ainda não escutou, aperte o play e os cintos e, aumente o volume.

O som do Dead Cross soa apocalíptico e desolador. Riffs maníacos, ritmos brutais, cacofonia proposital misturada com versos insanos. Soa confuso e pode ser entendido como grotesco, mas não se engane; tudo é organizado de forma precisa e inteligente por excelentes músicos. Um senso de destruição que amplifica o caos que os ignorantes trazem ao mundo, como subentende-se em “Idiopathic”, permeia todo o disco.

As letras trazem críticas contundentes. Skinheads, política, guerra, igreja, status quo e o universo da pós-verdade são temas abordados de maneira interessante nas faixas. “Church of the Motehrfuckers” é um tapa na cara da igreja, ao falar de “cartel dos cardeais, com bolsos cheios e um altar de amantes de crianças”. “Divine Filth” traz “ordem e progresso”, em português em suas letras, dizendo que o “tempo come tudo” e que “todo mundo quer ser o chefe”. Interessante para o Brasil pós-impeachmen. Vale uma correlação. A música leve do disco é “Bela Lugosi’s Dead”, cover da música da banda gótica Bauhaus, que faz referência ao ator Bela Lugosi, imortalizado em filmes como Drácula (1931) e O Lobisomem (1941).

Finalizando a apresentação com cerca de 50 minutos eles voltaram ao palco e tocaram o cover do Dead Kennedys, “Nazi Punks Fuck Off”. Adaptada para os temos atuais, a música se tornou “Nazi Trumps Fuck Off”. Ponto para a banda. Ainda brincaram tocando a introdução de “Raising Blood”, do Slayer e um pequeno trecho de “Epic”, do Faith no More.

O Dead Cross apresenta uma resistência explosiva contra o amensalismo moderno. Nesses tempos de individualidades afloradas e de ódio disseminado ao vento, The Future Has Been Cancelled (o futuro foi cancelado) talvez seja o melhor título para uma música em 2017. E continuando com a concepção do disco, diz a letra de “Obedience School”: “você é o próximo a ser comido, então tenha uma boa semana”.

 

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