[Por Andréia Silva]*
Em tempos onde os astros do rock parecem caretas, engomados e frequentam mais o noticiário de celebridades do que os palcos e estúdios, David Eric Grohl, 43, destoa.
Quais eram as chances de aquele baterista de 21 anos do Nirvana, magro, quieto e desengonçado, montar uma nova banda de rock, trocar as baquetas pela palheta, assumir os vocais e fazer dessa banda uma das mais importantes do rock – para alguns, melhor até que o próprio Nirvana? A resposta é uma só: as chances eram mínimas, mas aconteceram.
Todos os capítulos da história desse garoto do subúrbio de Washington D.C., nos EUA, que tornou-se o cara mais cool do rock na atualidade, são contados em duas biografias recém-lançadas no Brasil: a primeira, This Is a Call – A Vida e a Música de Dave Grohl (Leya), escrita por Paul Branning, ex-editor da revista musical Kerrang!, e a segunda, Nada A Perder (Ideal Editora), de Michael Heatley, jornalista e biógrafo de veteranos como Bon Jovi, Paul McCartney, John Lennon, Deep Purple e Neil Young, e artistas mais novos, como o inglês David Gray.
Ambas são biografias não autorizadas, mas precisas nos fatos que vão desde a infância e adolescência de Grohl – época em que a maioria não acreditava que o pequeno garoto teria um futuro promissor –, suas influências musicais, as primeiras batucadas nos móveis velhos de sua mãe, a formação das primeiras bandas na escola, a chegada ao Nirvana, o nascimento do Foo Fighters (que ele deu início logo após o fim do Nirvana) e as suas múltiplas parcerias, que vão de Norah Jones ao QOTSA.
Por abordarem diferentes pontos de vista, as obras contam essa história de forma complementar.
Enquanto Branning usou as entrevistas que fez com o cantor nos últimos 15 anos para o livro, Heatley se baseou em depoimentos de pessoas que presenciaram diversos momentos da vida de Grohl e em algumas de suas declarações públicas.
Um dos trechos mais curiosos do livro de Heatley é a explicação de Grohl para dizer que é um guitarrista com olhos de baterista.
“Quando eu toco guitarra, eu olho para ela como uma bateria. As cordas mais baixas são como bumbos e caixas, e as cordas mais altas são os pratos. Às vezes um riff de guitarra pode ter um padrão de bumbo e caixa – o riff principal de ‘Everlong’ é como tocar bateria e você tem um refrão com cordas soando mais alto que tudo, como se eu estivesse detonando os pratos. Eu abordo tudo dessa maneira – até letras e vocais são muito parecidos com tocar bateria”.
Em entrevista exclusiva, Heatley contou que o livro demorou seis meses para ser escrito, “entre idas e vindas”. Para escrevê-lo, Heatley, nos seus 50 e poucos anos, contou com a colaboração do filho, Drew, de 23, cuja geração – claro, a parte adepta ao rock’n’roll – tem em Dave Grohl um de seus heróis. “O fato de ele interessar a mim e ao meu filho fez deste trabalho algo singular”, conta o autor.
Segundo o biógrafo, a escolha pelo personagem se deu por dois motivos: o primeiro foi que, para ele, como bandleader, Grohl é um dos últimos da velha escola do rock, e o segundo, por ser um dos poucos artistas modernos com o qual Heatley simpatiza.
Sobre a opção de ter ouvido terceiros e não o próprio Grohl, ele diz ter certeza de que “Dave vai encontrar tempo para contar sua própria história, mas o fato é que músicos de sucesso estão ocupados demais para se envolver com livros, e ele está sempre olhando para o horizonte, e não por onde já passou”, diz.
Algo semelhante em ambas biografias é mostrar que Dave Grohl talvez seja a última figura interessante e atuante da old school do rock, aquele que sobreviveu aos anos 90 e ainda invadiu, com sucesso, a década seguinte.
“Eu acho que ele vai se destacar quando sua história for contada nas próximas décadas. Como McCartney, ele tem sido bem-sucedido dentro e fora de uma grande banda. Também sinto que seu coração está no lugar certo. Além disso, ele não se leva demais a sério”.
Essa característica fica bem clara em alguns clipes do Foo Fighters, como “Learn to Fly”, “Breakout”, “Low”, entre outros, onde a banda não se importa em passar pelo ridículo, especialmente com as hilárias atuações de Grohl e Taylor Hawkings, baterista do Foo Fighters.
O NIRVANA
O momento que levaria Grohl ao estrelato aconteceu em 1990, quando ele passou a fazer parte do Nirvana.
“Ingressei na banda no dia 23 de setembro de 1990 e partimos pra fazer o Nevermind em abril. Então foi só depois do Nevermind que Kurt começou a se f*** de verdade. Você podia estar chapado de heroína agora, mas eu não saberia, naquela época não sabia mesmo, eu era um moleque”, explica Grohl em trecho de This Is A Call.
Cinco anos depois, a morte de Kurt Cobain em 5 de abril de 1994 ficaria marcada como um dos momentos mais impactantes na vida de Grohl.
Não à toa, a frase que estampa a capa do livro de Branning diz respeito a esse episódio. “Alguém telefonou para mim e disse que Kurt havia morrido. Perdi o rumo”, diz Grohl.
No mesmo livro, Grohl conta que, anos depois, quase desistiu da música por passar por outra experiência que quase colocou a morte de novo no caminho de sua banda. “Quando Taylor [Hawkins] teve overdose, pensei, pela primeira vez na vida, em parar de fazer música. Porque chegou ao ponto de me questionar se a música era sinônimo de morte. Acredita?”.
Para Heatley, a morte de Kurt permitiu que Grohl se abrisse para outras possibilidades.
“Ele fez o primeiro disco de sua banda – feita de um homem só – sozinho (em outubro de 1994, nos estúdios Robert Lang), e acredito que isso tenha aberto a sua mente para as possibilidades. Não acho que ele tenha pensado nelas enquanto esteve no Nirvana. Isso [o Nirvana] foi apenas um passeio selvagem”.
O ROLÊ DE GROHL – EM DISCOS
Foo Fighters – Foo Fighters (1995); The Colour and the Shape (1997); There Is Nothing Left to Lose (1999); One by One (2002); In Your Honor (2005); Echoes, Silence, Patience and Grace (2007); Wasting Light (2011)
Them Crooked Vultures – Grupo de rock formado em 2009 por John Paul Jones (Led Zeppelin), Josh Homme (Queens of the Stone Age e Kyuss) e Grohl em 2009. Até agora lançaram apenas um disco, que leva o nome da banda
Killing Joke – Grohl aparece no disco homônimo da banda, Killing Joke (2003)
Queens of the Stone Age – Grohl toca bateria no disco Songs for the Deaf (2002)
Tenacious D – Grohl aparece tocando bateria e violão no disco Tenacious D (2001), disco homônimo da banda de Jack Black e Kyle Gass
Nirvana – Nevermind, In Utero, os EPs Blew e Hormoaning, e três álbuns ao vivo, sendo um acústico, o MTV Unplugged in New York, após a morte de Cobain
Scream – Banda na qual tocou entre 1981 e 1990, com eventuais reencontros para relembrar os velhos tempos. Lançou nove LPs e um CD ao vivo, em 1998, Live at Black Cat