Há 15 anos, o produtor Eduardo BiD colocava seu nome na lista dos mais importantes produtores musicais do Brasil ao produzir, com Chico Science e a Nação Zumbi, um dos mais célebres discos da música brasileira, Afrociberdelia.
De lá pra cá, BiD foi do manguebeat ao reggae, do samba ao soul, fundou a big band Funk Como Le Gusta e transitou pelos mais diversos ritmos da música brasileira, mas sempre trazendo em seu trabalho, seja como instrumentista, compositor, arranjador ou produtor, uma característica em comum: a mistura do velho e do novo. É o que ele repete em sua mais nova produção, Bambas Dois, um CD book que mistura ritmos, vibes e artistas do Brasil e da Jamaica.
“Nessa mistura, não estou inventando algo novo. Jimmy Cliff já fez isso quando, em 1969, veio ao Brasil gravar com a banda de Wilson Simonal, Dominguinhos também já mostrou sua relação com a Jamaica, assim como o Gilberto Gil já homenageou o próprio Bob Marley. O que eu fiz foi ir mais fundo nessa mistura”, diz o BiD em entrevista. O disco vem cheio de novidades, com fotos e um livro com textos inéditos, entre poesias e a saga da gravação do trabalho.
Em 2005, Bid produz seu primeiro álbum solo, Bambas & Biritas vol. 1, reunindo a velha guarda do soul brasileiro e nomes do hip-hop, num resultado muito bem recebido pelo público. Bambas Dois é, até certo ponto, uma continuidade.
O disco reúne nomes como Luiz Melodia, Dominguinhos, Chico César, as cantoras Karina Buhr, Céu, o baixista Bi Ribeiro (Paralamas do Sucesso), Siba, Dada Yute, integrantes da Nação Zumbi – como o guitarrista Lucio Maia –, entre outros brasileiros, com a nata da música contemporânea da Jamaica: Sizzla Kalonji, Kymani Marley, I Wayne, Jesse Royal, Queen Ifrica, The Heptones, Tony Rebel, U-Roy e Luciano, só para citar alguns. Todos se misturam e se dividem entre instrumentos e vocais nas 14 faixas do disco – 13 inéditas e uma versão mais reggae de Something, clássico dos Beatles.
A já citada mistura de gerações também é um ponto alto do disco. “Nessa mistura do velho e do novo, eu acho que rola uma troca super honesta dos dois lados. Os mais velhos emprestam a sua quilometragem e, ao mesmo tempo, os novos permitem que os mais velhos se atualizem”, diz BiD.
O resultado são encontros primorosos. Temos Chico César e Jah Marcus em “Little Johnny”, cheia de groove, o xote “Brasil (Little Sunday)”, com e Ky-mani Marley e Dominguinhos, o dueto de U-Roy e a percussão de Papete em “Children of the Future”, e Karina Buhr, que tem participação dupla, primeiro em “Lehá Doddi”, com a rabeca de Siba e o Dub de Oku Onuora, e depois com Jesse Royal em “World Cry”, onde, segundo BiD, Karina empresta “seu canto de lavadeira”.
Um desejo de BiD era ter Gilberto Gil no CD. “Gostaria muito de ter o Gil nesse disco, até porque ele já homenageou o Bob Marley e tinha tudo a ver. Ele topou, achou a ideia interessante, mas a agenda impediu”.
Foi num passeio de barco…
Curioso é pensar que o acaso tem boa parte da “culpa” pela realização desse disco. BiD teve o estalo para esse trabalho durante um passeio de barco pelo mar caribenho, em janeiro de 2010. “Fui acompanhar a gravação de um amigo na Jamaica e, durante um passeio de barco para mergulhar, coloquei uma música do disco Francisco, Forró y Frevo, do Chico César, e o piloto começou a cantar. Na hora, pensei: é isso, vou fazer um disco assim”, lembra.
A ideia ficou na cabeça e BiD decidiu mandar bala. Voltou à Jamaica tempos depois com o produtor Gustah, que também assina a produção do disco, levando 13 composições. Chegando lá, encontrou-se com 13 representantes da cena musical jamaicana.
Cada um compôs a letra da música que cantou, muitas vezes em parceria com os brasileiros. “É evidente o parentesco dos ritmos jamaicanos e nordestinos, mas a junção deles resultou numa terceira coisa que não é reggae nem forró. As músicas renasceram”, conta BiD.
“Quando cheguei lá, os jamaicanos ficaram meio desconfiados, pensando ‘quem são esses brancos chegando?’, mas, assim que falei que era do Brasil, eles lembraram do Ronaldinho. E depois, ao mostrar o som, eles percebiam que o projeto era algo diferente”, conta ele.
[Matéria publicada no Saraiva Conteúdo]