Versos em quadrinhos


Os autores do “Quadrinhos Rasos” falam sobre o projeto que mistura música e HQs

[por Andréia Martins]

Belo Horizonte, uma mesa de bar. Conversa vai, conversa vem, os então conhecidos Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho, entre umas e outras, descobriram que tinham um gosto em comum: os quadrinhos. De um papo do qual os dois não sabem dizer muitos detalhes, há uns seis anos, eles se lembram apenas de ter marcado uma nova conversa, em outro bar, claro, para desenrolar sobre o tema.

“A partir daí passamos os anos seguintes conversando bastante sobre quadrinhos e eventualmente produzindo. O ‘Quadrinhos Rasos’ surgiu da necessidade de pôr em prática tudo que discutíamos e principalmente treinar nossa capacidade de produzir dentro de prazos definidos”, diz a dupla em entrevista por e-mail ao Palco Alternativo.

Desde então, a dupla vem publicando suas tiras versadas – ou seriam versos em tiras?  – no site Quadrinhos Rasos, lançado oficialmente em 8 de setembro de 2010. O grande barato desse trabalho de Damasceno e Garrocho é que seus quadrinhos se baseiam em versos de músicas. Para cada tira, um verso. E nos traços de Duda e Lipão, as músicas ganham diferentes contornos, contextos e climas.

A ideia, eles contam, surgiu de uma piada enquanto eles conversaram sobre quais quadrinhos poderiam produzir. Nas palavras dos próprios:

“Por motivos obscuros, eu estava com a música Milla na cabeça – aquela do Netinho, que todo mundo na beira dos 30 dançou nas brincas e matinês dos anos 90 – e estávamos pensando sobre como poderíamos fazer quadrinhos semanalmente, foi quando o Lipão disse: ‘a gente faz quadrinhos a partir de músicas’”, lembra Eduardo Damasceno.

“Pois é, o Duda achou a ideia interessante o bastante, e me passou a música da Legião Urbana. O combinado era fazer para a semana seguinte, e a gente publicar juntos. Lembro que fiz uma página em minutos lá em casa, muito, mas muito feia. E o Duda fez aquela primeira página linda. Só assim que eu saquei que o negócio era mais sério”, conta Luís Felipe.

As tiras

Marvin (Titãs), Equalize (Pitty), Step by Step (New Kids On The Block), Strong Enough (Cher). Essas são algumas das últimas tiras publicadas no site e mostram que não há exclusão de estilos musicais para servir de temas às tiras. Mas como todo trabalho precisa de alguma disciplina ou regra, a dupla criou as suas. Como eles dizem, “algumas maleáveis, outras nem tanto”.

Entre essas regras, a principal é que um escolhe a música do outro. “Isso cria situações interessantes. Geralmente procuramos músicas que achamos difíceis e engraçadas, mas quando nos sentimos mais benevolentes escolhemos músicas que achamos que combinam com o estilo narrativo do outro”, contam.

Outras regras importantes são a de que há um dia certo para a publicação das tiras – “Mas um dia certo vale por dois dias”, diz a dupla -, a cada seis páginas de músicas nacionais são feitas duas internacionais – “O Duda odeia fazer as músicas internacionais, isso deixa tudo mais divertido”, diz Luís Felipe – e a de que a página não pode retratar o que a música diz, se é uma música sobre relacionamentos amorosos os quadrinhos não podem fazer referência a isso e assim por diante.

Para fazer as tiras, cada um tem o seu método. Enquanto Eduardo prefere finalizar uma ideia para depois ver se vale ou não, Luís Felipe passa por quatro, cinco páginas antes de escolher a definitiva.

“Geralmente tenho uma tarde na semana pra fazer a página, atualmente às quintas-feiras. Não consigo pensar muito sem desenhar, então começo a rabiscar e a história sai disso em algum momento. Gosto de fazer as idéias até o fim… então finalizo páginas inteiras e vejo que a ideia era uma porcaria, descarto tudo e faço outra. Isso já aconteceu mais de uma vez, mas como o tempo é cada vez mais escasso fui aprendendo a ser mais objetivo”, diz Eduardo.

“Normalmente, no momento que o Duda me passa a minha música, começo a ter ideias de páginas. Passo por umas quatro ou cinco antes de decidir a final, o que não impede de mudar tudo na última hora. Mas o desenho mesmo, na maioria das vezes, é feito numa madrugada”, conta Luís Felipe.

Além de dividirem as páginas – Eduardo fica com as ímpares, Luís com as pares – há outro jeito diferenciar as tiras de cada um.

“Eu tenho uma grande dificuldade em escrever histórias que não terminam com tragédia ou gente morrendo. Não sei o porquê. Acho que deve ser pelo fato das músicas que peguei não falarem sobre morte, e na tentativa de fugir da letra, sempre volto a algum tipo de morte para os pobres personagens da página. Sério, é bem difícil não matar eles”, diz Luís.

Tira 19, publicada no Quadrinhosrasos.com

Vivendo de quadrinhos

Entre versos e tiras, Damasceno – professor de artes visuais, ilustrador e produtor editorial freelancer – e Luís Felipe – formado em História, acredite, e autor da tira “Bufas Danadas”, que ele promete recuperar – vão se dividindo entre o projeto pessoal e os demais compromissos profissionais.

Aproveitando o bom momento dos quadrinhos, a parceria parece ser prioridade para os dois, que vão levando o projeto unindo bom humor, criatividade e ironia – essa quando se trata de escolher a música do outro.

“Já participamos de concursos de quadrinho, já enviamos projetos para editoras nacionais e internacionais e, brincadeiras a parte, sabemos que é possível viver disso, mas estamos aprendendo como”.

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