Duo, que lançou recentemente o single “Mesmo Coração”, conversou com nossa reportagem sobre novo álbum, plataformas digitais e cena independente no Brasil
Onde está o rock ‘n’ roll? E este tal de mainstream, o que é hoje em dia? O duo Atalhos, formado por Gabriel Soares e pelo guitarrista Conrado Passarelli, já tem longa carreira no cenário musical, porém eles não estão nos espaços mais disputados da TV e do rádio. Ainda assim, são figurinhas carimbadas em veículos independentes, como este aqui. Não há como negar, o glamour do rock acabou e o fracasso é palavra de destaque para artistas do cenário independente. E o Atalhos continua de pé, a beira da “Tentação do Fracasso”, frase que dá título ao próximo disco do duo. Quer saber mais, confira a entrevista com a banda:
Achei muito interessante o título do próximo trabalho de vocês, “Tentação do Fracasso”. O que isso quer dizer?
Gabriel Soares: “A Tentação do Fracasso” é título de um livro do escritor peruano Julio Ramón Ribeyro. O livro é um compilado dos diários que o autor escreveu por mais de 30 anos da sua vida. Eu estive atrás do livro por muitos anos, mas ele estava esgotado na editora em espanhol, até que finalmente um dia consegui encontrá-lo. Tem muito a ver com essa busca e esse tempo também. Leio muitos diários e isso ajuda na minha escrita autobiográfica (tenho dois livros publicados já). Quando eu estava buscando esse livro, ao mesmo tempo estava compondo as músicas do novo disco e fazendo essa reflexão se ainda valeria a pena seguir fazendo música, lançar mais um disco, enfim.
No livro existe essa frase que me marcou bastante que é assim: “os criadores nunca se equivocam, eles somente fracassam”. Essa frase ficou na minha cabeça e de certa forma me acompanhou durante todo o processo de composição do disco, e por isso resolvi dar o mesmo título para uma das músicas e para o próprio disco. Ele representa bem a ideia de seguir fazendo música independente apesar de todas as dificuldades, e também me fascina a ideia de ser tentado pelo “fracasso”, não no sentido da apatia e do ascetismo, mas justamente o seu contrário, ser tentado pelo fracasso é seguir criando não importa o que aconteça, tendo sucesso ou não.
Senti neste primeiro single, “Mesmo Coração”, uma forte influência dos anos 80. Muitos trabalhos, de diversos artistas, fazem este resgate. Por que essa fase é tão importante?
Conrado Passarelli: Gostamos muito de ouvir as músicas anteriores. No estúdio fomos buscando esta sonoridade, de artistas que estávamos ouvindo, como Mac De Marco.
Essa coisa de anos 80 marcou um pouco da nossa infância. O que marca também é o tempo, as estéticas que surgiram. Parece que é tudo um movimento cultural, da música, a partir daquele momento, tomar um rumo diferente das coisas. É período muito rico, também para o rock nacional.
Por que vocês escolheram “Mesmo Coração” como a primeira música a ser divulgada?
Conrado: Acabamos escolhendo porque tem ligação com o álbum anterior, “Animais Feridos”, onde temos a música “Onde Está Belchior”. Em “Mesmo Coração” há a frase “o meu coração continua selvagem”, em referência a clássica música do artista.
O disco “Onde a Gente Morre” é muito baseado no folk. O “Animais Feridos” tem um pouco também. Mas, julgando por “Mesmo Coração”, vocês largaram essa característica. O Folk ficou para trás?
Conrado: Sim, diminuímos a intervenção do folk para este próximo trabalho (risos). Em uma música ou outra tem violão. Mas o caminho natural deste disco é a exploração dos sintetizadores. A espinha dorsal é a questão dos acordes, a unidade e como os sintetizadores vai contornando tudo isto. Na questão lírica, é um álbum de pegada amorosa e urbana. Em suma, é um resumo de tudo que temos escutado.
A mixagem do álbum foi feita em Buenos Aires. Pegando esse gancho, teremos influencias latinas?
Conrado: Não sei dizer até que ponto influencia, mas gostamos muito de ouvir vários artistas: Soda Estereo, Fito Paez. Mi Amigo Invencible. É uma pena que a arte destes músicos não cheguem tanto em nosso país, até pela questão da barreira do idioma.
Tem rolado uma polêmica a respeito do Spotify e outras plataformas de streaming, principalmente por declarações do CEO do Spotify, onde ele disse que os artistas precisam produzir mais em um curto período de tempo. Você acredita que as plataformas, em especial o Spotify, são desfavoráveis a artistas independentes?
Conrado: Acho que é uma ferramenta favorável, principalmente pelo fator de democratização, de aumentar o acesso e o alcance. Como músico, gosto de ouvir artistas novos. Para o artista independente dá muita força. Acho que a questão é saber transformar isso em audiência para shows e produtos.
Nesse período de pandemia ficamos sem os shows. Tem como viver só com o que vem das plataformas de streaming?
Conrado: Realmente, não dá (risos) Acabamos tendo que ter outras atividades, outros trabalhos. Eu, por exemplo, trabalho em uma agência de publicidade. É complicado.
As pessoas perguntam muito se o rock morreu, mas a pergunta que quero fazer é se a ideia antiga de sexo, drogas e rock n roll ainda existe e se vocês acham essa ideia ultrapassada?
Conrado: Engraçado, hoje em dia parece que, como teve um momento mais forte, é uma pregação falar que gosta de rock. A música, a revolução, pode sim voltar a crescer. São muitos ciclos. Hoje a gente muda para streaming, internet e Netflix (risos).
Mas é totalmente positivo que as pessoas hoje sejam mais informadas e tenham hábitos mais saudáveis. Até por isso, aquela filosofia antiga resumida na frase “sexo, drogas e rock ‘n’ roll” não cabe mais aos dias de hoje.
Quais são as ambições da banda? É besteira pensar em mainstream nos dias de hoje?
Conrado: No fundo a gente sempre pensa. Porém, uma coisa legal no processo criação do álbum é que, apesar de ter essa ambição, não é o foco principal. Deixamos de lado, sem ter esse foco, se vier é consequência.
Fazendo uma análise desde o primeiro disco, o que vocês percebem que mais amadureceram?
Conrado: Desde o primeiro disco tivemos as mudança das plataformas, do CD para o streaming e essa coisa toda que tivemos que nos adaptar. Em questão de estúdio, no primeiro não tínhamos tanta voz na produção e isso foi mudando conforme fomos aprendendo. O nosso álbum de estreia tinha mais coisa de rock, timbre mais seco, muita guitarra. Hoje temos mais respiro entre as canções e instrumentos.
Preferem cair na estrada ou o trabalho de estúdio?
Conrado: estúdio é mais burocrático (risos). Gosto de pegar a estrada, é mais legal, conhecemos novos lugares.
O que vocês planejam para a vida pós pandemia?
Conrado: Torcemos para que as coisas melhorem. Pretendemos lançar o disco e fazer shows, se possível. Estamos morrendo de saudades dos shows.