ENTREVISTA: “Hoje, não esperamos que nos deem espaço, nós o tomamos”, diz Negra Li

Publicado originalmente por Lucas Lima em 27 de outubro de 2018 no Eufonia Brasileira
Cantora contou sobre sua carreira e raízes musicais Foto: Reprodução/Instagram.

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Ao lado do palco, a moça proveniente da Brasilândia, zona norte de São Paulo, aguarda. Do outro lado, mais de 700 pessoas a esperam na comedoria do Sesc Belenzinho. “Venha mulher”, diz uma fã na plateia. Os músicos estão animados no palco. A moça, que é Liliane de Carvalho, a Negra Li, também. Antes de realmente subir e saudar sua plateia, ela dança. A noite já era, ali, uma festa do soul, rap, rock e samba.

Negra Li começou sua carreira no emblemático grupo RZO, em 1996. De lá pra cá, muitos acontecimentos. A cantora foi em em frente com a carreira solo, transitou por vários estilos, teve hit nas rádios, estrelou a série “Antônia” (Rede Globo), teve dois filhos… enfim, estava ali, na noite de 26 de outubro, diante de 700 pessoas, para fazer uma síntese de tudo isto em um show de quase duas horas.

“O meu começo na música foi com o RZO”, diz a artista fazendo um coração com as mãos diante à plateia. “O meu começo na vida, foi graças ao Charlie Brown Jr. Depois deles, entrei em gravadora e segui em frente”, completa em tom emocionado ao lembrar de Chorão.

Do rap do RZO, Negra Li passeia pelo pop rock, em conjunto com o Skank, usa de referências do reggae, em uma mistura ímpar capitaneada por Chorão e vai ao samba em seu novo single, “Malandro Chora”. “Toda a troca é importante, todas as visões sobre as músicas são agregadoras. A transição entre os estilos foi marcante para minha carreira e carrego com muito carinho todos aqueles que participaram e todos que participarão do meu novo disco”, diz a artista. “Acho que quando estamos em busca de um mesmo objetivo e temos uma mensagem que condiz, não importa o estilo, estas parcerias gerarão boas músicas”.

Foto: Lucas Lima.

E o novo disco, “Raízes”, já está quase nas ruas. O lançamento será no próximo 24 de novembro, pela White Monkey. O disco sai seis anos depois de “Tudo de Novo”, o último álbum da cantora até então.

“Raízes é um trabalho que remonta, como o próprio nome diz, as minhas raízes musicais, a minha raiz negra, a minha raiz da periferia. Ele vem carregado de todas as minhas influências e misturado com novos ares e misturas do rap com a música brasileira e latina”, diz.

“Para este disco fiz uma analise muito grande de minha carreira e de tudo que passei. Transitei nas ideias que me motivaram a fazer música em primeiro lugar, revendo o lugar de onde saí e as mensagens que passei. Este trabalho vem com uma mensagem muito mais forte e mais ativa. Por todo o momento vivido nestes últimos anos, senti a necessidade de usar a minha voz para falar novamente de tudo o que vivemos, nós que somos da periferia, nós que somos negros, nós que somos mulheres. É necessário falar sobre isso”, completa.

Foto: Lucas Lima.

Sobre a parceria com a White Monkey, a cantora diz: “encontrei a White Monkey em um momento bastante decisivo em minha carreira, estava em busca de um escritório que entendesse o que eu sou e qual é a minha essência. Tenho aqui produtores dispostos a empenhar seu talento junto comigo e pessoas que conseguiram me ver e abrir meus olhos para a falta que fazia, para todos que me viram nascer e crescer como artista. No mercado atual, o que importa não é o tamanho da gravadora mas sim qualidade, agilidade do serviço e atmosfera criativa do local”.

Malandro Chora

Single que antecipa o novo álbum de Negra Li, “Malandro Chora” traz elementos do samba, fórmula já utilizado no hit “Você Vai Estar Na Minha”.

“Depois da participação no ‘Favela Vive pt.3’, que teve visualização muito grande em pouco tempo – e por ser uma musica recheada de assuntos politizados, achamos que a canção seguinte deveria ter um tom mais leve para diversificar. O instrumental da faixa já veio produzido, com a mistura da batida do samba por Rodrigo Marques e Victor Reis da Audio Clap. Em cima da ideia, comecei a escrever a letra”, conta Negra.

“Essa mistura já foi acertada outras vezes com outros rappers, como D2 e Rappin Hood. Não dá para negar que o estilo corre nas veias de nós, brasileiros, e é contagiante. Eu particularmente adoro e já fiz um lindo projeto de samba cantando o repertório de Jovelina Pérola Negra”, completa.

Antes de cantar o single diante do seu público, no Sesc Belenzinho, Negra Li pergunta quantas pessoas já ouviram a faixa. Algumas pessoas levantam timidamente as mãos. “Olha gente, eu preciso de vocês. Eu vejo tanta gente com coisas que não dizem nada com milhões de visualizações. Não adianta falar que a Negra Li é firmeza se não ouvir o meu single, compartilhar, comprar minha música. Estou que nem estes políticos agora, fazendo campanha para vocês ouvirem o meu trabalho…votem em mim”, diz em tom humorado.

Maternidade

No ano passado, Negra Li se tornou mãe pela segunda vez. A cantora, que já tinha a primogênita Sofia, agora é mãe também de Noah, que completou um ano em julho deste ano. A artista compõe família com o também músico Junior Dread.

“Não é fácil conciliar, é muito cansativo, corrido…mas quando você faz o que gosta, o prazer é maior que qualquer adversidade”, conta. “Cada gravidez foi diferente. Cada uma contribuiu para que houvesse mudanças significativas em minha vida. A primeira me deixou mais introspectiva, passiva, e como resultado veio o CD ‘Tudo de Novo’, em 2012, algo mais intimista. A segunda me deixou mais ativa, mais enérgica e, como resultado, um álbum mais jovem e ousado. Tudo se deve também ao crescimento, e são fases que eu tento aproveitar ao máximo”, completa.

Foto: Lucas Lima.

Rap

Mesmo transitando por vários estilos, Negra Li nunca abandonou suas raízes do rap. Quando começou, lá em 1996, o estilo não era tão abrangente como hoje. Ficava, por muitas vezes, só na periferia. Hoje, as vozes ecoam mais alto e vão mais longe. A cena cresce, em especial a feminina. Não que as coisas estejam fáceis, mas Negra Li é referência por ter emergido em uma época em que a representatividade era pífia. Por isso, não é difícil encontrar artistas que citem Negra Li como influência.

“Isto é muito gratificante. A mulher, hoje, é menos subestimada e se libertou de seus medos, se tornando mais independente. Com certeza ouve uma evolução. Não esperamos mais que nos deem espaço, nós o tomamos. Valeu a pena toda a persistência, toda paciência e todas as lutas… Não foram fáceis os desafios que superei ao longo dos meus 20 anos de carreira, mas todos eles me colocaram no lugar que hoje ocupo”, diz.

Foto: Lucas Lima.

“O papel do rap é dar voz aqueles que não têm voz, somos a representação de todos que estão nas periferias do Brasil inteiro. Nós temos a missão de representar uma realidade que é muito distante para muita gente e mostrar que ela existe e que precisa ser pauta”, finaliza.

Desde Lauryn Hill ao Planet Hemp, Negra Li é um poço de referências. Dona de um talento vocal como poucos, é uma mulher de atitude. Guerreira em sua essência. “Gosto de desafios, de aprender coisas novas e isso nunca vai parar. Se esse sentimento acabar não valerá mais a pena continuar”, diz. Aguardemos o que vem por aí.

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