ENTREVISTA: Os amores e as metamorfoses de Natália Matos

Publicado originalmente por Lucas Lima em 09 de abril de 2018 no Eufonia Brasileira
Cantora explica como o amor e as mudanças em sua vida fazem parte de sua carreira musical. Foto: Júlia Rodrigues

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Em uma São Paulo com um outono um tanto quanto contraditório, a paraense Natália Matos caminha pela Rua João Moura, no bairro de Pinheiros, vestida de primavera. Com camisa preta florida, um shorts também preto e uma serpente recém tatuada em um dos braços, a musicista de baixa estatura mostra simpatia e um sorriso tão vibrante quanto flores de cores quentes. O sol aparece sem medo no céu. A temperatura gira em torno de 25C°. Em uma padaria de esquina com a rua Artur de Azevedo, a artista pede um expresso e um pão de queijo.

Foto: Julia Rodrigues.

Natália teve uma infância bem livre. Filha de professores universitários, dentro de casa ela tinha liberdade para ouvir de tudo. O primeiro disco que ganhou foi uma coletânea do Lô Borges. “Minha mãe é louca pelos mineiros. Meu pai gosta muito de Milton (Nascimento), mas minha mãe gosta muito dos mineiros, em geral. Então era influência lá em casa”, conta a cantora. A garçonete traz o café e o pão de queijo. Natália se surpreende com o tamanho exagerado do pão. “Gente do céu”, desaba em risada. “Não tem um menor não?”, pergunta para a garçonete, que fica sem reação. Tudo se resolve e o pão é dividido entre a artista e o repórter.

Podemos dizer que Natália Matos nasceu para ser cantora. Desde pequena tinha alegria em cantar. Se apresentou pela primeira vez aos 10 anos, com o tio. Fez aulas de piano na Escola de Música da UFPA e estudou canto popular na Emesp. “Meu pai sempre me estimulou muito na história das artes. Mas era algo bem natural. Na infância, eu lembro de ouvir vinil da Marisa Monte, ouvia muito Leila Pinheiro e eu era apaixonada pela Daniela Mercury. Minha mãe sempre foi a ‘rata dos lançamentos’, principalmente no começo dos anos dois mil, quando a produção da MPB aumentou bastante. A gente é muito do que se ouve em casa, do que se tem em casa”, conta Natália.

A rigidez e a disciplina em que foi submetida no conservatório, quando estudava piano, fizeram com que Natália se distanciasse um pouco dos instrumentos. “Eu comecei a ver música por uma outra perspectiva. Uma coisa mais burocrática, mais dura. Isto me travou um pouco. De uns tempos pra cá eu tento ultrapassar esta barreira, que na infância foi causada, de certa forma, para me aproximar de um instrumento. Isto de pouquinho em pouquinho”, diz.

“Amor é quando a gente lembra do outro e ri sozinho”

As composições vieram ainda depois. Aos 15 anos de idade, Natália se mudou para São Paulo e terminou o ensino médio na cidade. Começou a faculdade de arquitetura e começou a estudar canto popular. “Nesta época eu comecei a escrever. Meu irmão, que também é músico, começou a escrever antes de cantar. Eu comecei a cantar sendo intérprete. Compor era uma barreira pra mim”, comenta. “Depois eu lancei meu primeiro disco, com apenas três músicas minhas, por não ter esta coisa madura sobre composição, sabe. Aí, agora, no segundo disco, meu grande barato foi compor. E é isto que eu quero pra vida”, conta em tom de felicidade. “Nós somos eternos aprendizes, né? Não tem fórmula para composição”, completa.

Foto: Tereza E Aryanne Fotografia

E, assim, chegamos em “Não Sei Fazer Canção de Amor”, disco lançado no ano passado, com produção de Léo Chermont e direção musical de Carlos Eduardo Miranda, em que Natália mostra sim que sabe compor e que sabe fazer canção de amor. Uma temática um tanto quanto complexa e muito abordada na música mundial, mas que a cantora foi além e mostrou uma camada mais profunda do amor.

“Esta temática, o amor, tem muito a ver com o momento que estava passando. De perceber onde que eu estava. Eu fui pra Belém, tinha acabado de me demitir do escritório de arquitetura, aqui em São Paulo, fui pra lá de férias e acabei ficando. A cena de Belém estava fervilhando, O Miranda andava muito por lá, a cidade foi fazendo eu ficar. Logo depois, eu comecei a namorar um garoto de lá e fiquei cinco anos com ele. Então, tive esta fase do amor, de casar, pela primeira vez. Por mais que o amor é uma coisa que vai estar sempre em nossas vidas. O amor está em tudo. Se você olha para as letras do disco, “Vamos Embora” fala de amor pela vida; tem uma música que fala do amor que sinto pelo meu irmão;”Dá e Passa” faz referência a uma música da Billie Holiday. São coisas que estavam no meu cotidiano e foram fazendo eu refletir”, ressalta. “Eu assisti um filme chamado ‘Ninguém Deseja A Noite’, com a Juliette Binoche, e ela encontra uma nativa no caminho dela e esta nativa fala uma coisa muito bonita que é: o amor é rir sozinho. Acho que é exatamente isto. Amor é quando a gente lembra do outro e ri sozinho”, completa.

“Seja falar de amor ou qualquer outra coisa, fazer arte, no momento que estamos, é um grande ato de resistência”

Mesmo abordando uma temática tão explorada, Natália não teve medo de colocar suas músicas na rua e. E se saiu muito bem. A cantora fez um pop, música de fácil assimilação, segundo ela, envolvente do início ao fim. Dançante ou meloso. A dois ou sozinho, o amor está ali, muito bem representado. “Quando a gente faz arte, faz música, a gente meio que não pensa no que está fazendo. Sai bem natural. Claro que depois nós vamos ver, analisar. Mas não senti medo. A arte tem que ser livre pra expressar o que quiser”, explica.

O Show

Foto: Tereza e Aryanne Fotografia

Após fazer shows em Belém e Manaus, Natália chega a São Paulo para se apresentar na icônica Sala Adoniran Barbosa, no Centro Cultural São Paulo. A apresentação acontece no próximo 19 de abril, às 21h, e terá participações especiais de Lucas Santtana e Manoel Cordeiro.

“Falar de amor, no momento em que estamos…vejo que é uma to de resistência mesmo. Inclusive, coloquei no repertório do show, uma música de Marina Lima, que se chama ‘Cara’. A letra diz: ‘jamais foi tão escuro no país do futuro’. E é isto mesmo que sinto. Seja falar de amor ou qualquer outra coisa, fazer arte, no momento que estamos, é um grande ato de resistência” diz Natália.

O objetivo da cantora é fazer shows no maior número de cidades possíveis. “É muito legal quando eu recebo mensagens falando ‘vem pra tal lugar’. E eu vou! Se tiver uma ou duas pessoas pedindo, eu vou! Vou levar este disco, da forma que seja, pra onde quer que for”, conta. A cantora também tem ambição pelo mainstream, e vai tentando, como muitos ainda tentam, chegar lá. “É claro que vamos tentando. Conhecer fulano de tal, mandar disco, mandar música. Vamos criando as redes, acho que é isso. Enquanto não temos muito dinheiro para investir, estes são os caminhos. Quando se tem grana se chega a qualquer lugar”, completa.
Foto: Tereza E Aryanne Fotografia

Miranda

Com disco com a presença de Carlos Eduardo Miranda na direção musical, é claro que Natália Matos criou um elo de amizade com o produtor/jornalista/músico que nos deixou no final do mês de março. Miranda também estava na direção artística do show em São Paulo.

“A primeira vez que eu vi o Miranda foi no Terruá Pará (festival de música paraense). Ele era diretor do Terruá e eu participei de uma mostra, que foi tipo um edital que rolou pros artistas participarem do espetáculo Terruá, que circularia por Belém, por São Paulo… O Miranda foi um dos curadores desta mostra, ou foi só o diretor…não me lembro exatamente. Passei pelo crivo dele e desde então ele mostrou que gostava do trabalho. No primeiro disco eu não fui atrás dele, mas no fim das gravações ele me ligou. Desde então, eu senti que poderia ter um grande amigo”, diz

“Respeito pelas referências que ele tinha e pela sinceridade, pela opinião. Este era o sentimento que eu tinha por ele. As vezes ele era meio polêmico, mas eu usava isto pra pensar. E aos poucos eu fui entendendo que esta seria uma forma de dialogar com ele. Se ele falasse ‘coisa e tal é não sei o que’. Eu perguntava: Por que, Miranda? E retrucava, pensava junto, convencia ele algumas vezes. Ele me tirava do lugar, fazia eu dialogar, pensar sobre as coisas. Ele está fazendo muita falta. Ele ia dirigir este show, estava tudo certo pra gente se encontrar. Tinha ficado super feliz que eu tinha chamando ele pra dirigir. Algumas coisas que estão no show tem a ver com a direção dele. O Miranda era muio presente, e ele queria estar presente. Ele era muito maravilhoso”, conta Natália, com um sorriso no rosto e com olhos de tristeza.

Metamorfose ambulante

Mesmo com um álbum recém-lançado, Natália Matos já está em outra. Novas composições já permeiam a cabeça da cantora, que, desde as gravações do disco, se diz estar em outro momento, embora, claro, o amor está sempre lá.

Natália, na verdade, sempre foi uma metamorfose ambulante. Alguns símbolos representam muito bem isto. Primeiro, a capa de “Não Sei Fazer Canção de Amor”, uma ilustração de um rosto, uma espécia de máscara, saindo de um outro rosto de Natália. Uma mudança constante. “Isto aqui já foi, virou a página, mas ainda me representa, assim como meu primeiro disco também me representa”, conta Natália apontando para um exemplar de “Não Sei Fazer Canção de Amor”. “É muito linda esta ilustração da capa. Quando eu estava fazendo o disco eu tinha certeza que a minha cara ainda estava sendo construída. Doido, né. Sigo muitos ilustradores no Instagram e conheci o trabalho da Layse Pimentel, uma garota muito jovem e que eu adorei o trabalho dela, achei foda. Fiquei com aquilo na cabeça, demorei um tempo pra entrar em contato, fiquei uns seis meses namorando aquele perfil do Instagram. E ela adorou fazer”, completa.

Capa de “Não Sei Fazer Canção de Amor”. Ilustração de Layse Pimentel

Outro símbolo que representa o constante fluido de transformações em Natália, é a tatuagem de uma serpente, eu um dos braços da cantora. “A serpente é transformação. E é transformação em busca do dentro, da troca de pele, mas existe uma essência ali. A gente precisa tirar a pele pra olhar o que é que tem dentro, né. E existe uma coisa que permanece, e esta é nossa eterna busca, entender o que é que permanece. A gente sabe, mas, tem vezes que a gente não sabe. Acho que o que sempre vai permanecer, pra sempre, em mim, é esta coisa do comunicar, através da palavra, da melodia. Acho que palavra pra mim é muito importante”, conta.

Muito feliz com o disco e com o show, Natália Matos recebeu a confirmação da participação de Manoel Cordeiro no final da entrevista, por telefone, e comemorou bastante. ” O show vai ser muito especial, é uma apresentação que, de certa forma, eu estou fazendo, estou montando, pensando no Miranda. Vou fazer sem o Léo (Chermont), ele não poderá tocar. A banda é linda, de pessoas que admiro muito”, conta.

Se Natália escolhesse um amor que não viveria sem, com certeza, seria a música. “Eu vivo para isto, vivo por isto”, conta. Ainda bem que podemos viver com tantos amores, e, assim, podemos amar também a música de Natália Matos.

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