ENTREVISTA: Izzy Gordon e um sonho pra vida inteira

Publicado originalmente por Lucas Lima em 02 de setembro de 2018 no Eufonia Brasileira
Izzy Gordon. Foto: Gabriel Wickbold

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Pode ser que quem veja Izzy Gordon caminhando pela rua não imagine o tamanho da bagagem que a cantora e compositora paulista de 55 anos carrega nas costas. Mas, quem foi ao Bourbon Street, casa de shows localizada na zona sul de São Paulo, no último 27 de setembro, sabe da importância e do talento imensurável da artista que está lançando seu mais novo álbum, “Pra Vida Inteira”.

Foto: Juliana Basiotti.

Izzy chega ao camarim todo rabiscado do Bourbon Street por volta das 17h20 para se preparar e passar o som. Toda de preto e com um turbante em tons de vermelho na cabeça, recebe a nossa reportagem. Antes disso, a cantora passa pelos corredores e cumprimenta todo mundo que vê pela frente.

Com o nome de batismo de Denise Helena Rocha Gordon, Izzy é filha de Dave Gordon, um dos nomes mais importantes do jazz mundial, e sobrinha de Dolores Duran, cantora cravada no hall histórico da MPB. Desde muito cedo, como é de se imaginar, Izzy Gordon viu e teve contato com diversos ícones da música nacional de perto, mas sempre teve um medo gigante do palco.

“Eu era muito tímida. Sempre achei muito interessante todo mundo que cantava na minha família. O Tony, meu irmão, começou a cantar antes de mim. A minha mãe, junto com meu pai, vieram do Rio de Janeiro para inaugurarem casas noturnas aqui em São Paulo. Então, eu sempre achei muito legal o jeito que todos falavam de música, gostava de ouvir música, mas eu tinha pavor do palco. Eu cantava, mas em casa, quietinha”, conta Izzy.

A barreira entre a cantora e o palco foi quebrada, indiretamente, por um dos maiores cantores da música mundial, Stevie Wonder. Podemos dizer que o cantor norte-americano foi o responsável por estimular a vontade de Izzy Gordon para ser cantora. “Eu ouvi uma música dele, ‘Ribbon In The Sky,’ e fiquei encantada com o efeito que esta canção causou em mim. Foi espiritual. Realmente, a música me pegou. Foi um despertar. Eu pensei, eu não posso guardar uma coisa de Deus e que pode fazer bem para as pessoas”, comenta.

Apesar do esforço e das apresentações em casas noturnas, Izzy Gordon considera como começo de carreira apenas o ano de 1988, quando ela foi aprovada para participar do espetáculo Emoções Baratas, musical de jazz com direção de José Possi Neto. “Era uma provinha de tudo que eu já tinha passado”, diz.

Foto: Juliana Basiotti

Em 1993 gravou com Jorge Ben Jor no disco “23” e chegou a fazer alguns shows como backing vocal com o cantor. “Fui convidada pelo Skowa a participar do Grêmio Recreativo Amigos do Samba Rock Funk Soul. Nos reuníamos no Aeroanta, uma casa de shows que ficava no Largo da Batata, em Pinheiros e que a turma toda ia lá. Geralmente tocávamos coisas dos anos 70, Tim Maia e tal. E, lá, tivemos o primeiro contato com o Ben Jor”, descreve. “Fizemos um projeto no Sesc Pompeia, dele (Ben Jor) em conjunto com o Grêmio. Ele curtiu tanto que acabamos gravando um álbum juntos”, completa.

Foram 17 anos desde a estreia de Izzy Gordon no musical Emoções Baratas até o seu primeiro disco solo, “Aos Mestres Com Carinho”, lançado em 2005, em homenagem a Dolores Duran. Foi apenas no segundo registro, “O Que Eu Tenho Pra Dizer (2010), que a cantora inciou sua carreira também como compositora. A faixa-título tem letra assinada por ela.

“No meu primeiro disco eu ainda não me considerava compositora. Tinha muito auto-crítica. No segundo álbum eu comecei a arriscar. E essa primeira composição veio quase pronta. Eu acordei, veio aquela melodia. Aí liguei pro meu irmão, falei com minha mãe. Eu falava ‘olha esta música, vocês conhecem?’ e eu cantava. E aí eles respondiam, ‘não, não conheço’. Foi aí que eu disse, ‘então nasceu uma música (risos)”.

Releituras

Desde seu primeiro álbum, Izzy Gordon apresenta ao público releituras de músicas gravadas originalmente por grandes nomes da música brasileira. Isto é um reflexo do quão a cantora é estudiosa, até hoje, e o quanto ela valoriza a música nacional.

“Essas canções são referências importantíssimas para a nossa música. Eu sinto que muita coisas boa está surgindo no momento, está nascendo um novo estilo, mas nós tivemos um tempo muito importante para a nossa música, e esse tempo é essencial para darmos segmento em nosso trabalho”, comenta.

No novo disco da cantora há três releituras, uma delas é “Lata D’água”, canção gravada originalmente por Elza Soares. “Eu fui convidada a fazer um trabalho em homenagem a ela (Elza Soares) e escolheram ‘Lata D’Água’ para eu cantar. Eu achei bem legal, mas quando cheguei ao ensaio não era a música que eu pensava ser, mas sim uma outra, que eu não conhecia. A primeira que Elza lançou era ‘Lata D’Água Na Cabeça’ e esta que eu gravei, e que não conhecia, é apenas ‘Lata D’Água’, que o Candeia Junior escreveu em homenagem a Elza. E eu me apaixonei pela música”.

Pra Vida Inteira

Além de uma nova versão para a canção de Elza Soares, “Pra Vida Inteira”, o novo disco de Izzy Gordon, conta no total com oito faixas, sendo duas, “Luzia” e “Meu Canto”, de composição própria e uma, “Together”, em conjunto com Will Gordon e Rogério Rochlitz. Em uma mistura já característica de samba, jazz e soul, Izzy conta com faixas assinadas por Rael (“Só Por Você”) e uma por Lupa Mabuze e Valência Costa de Medeiros (“Havia Uma Flor”), além das releituras de Dolores Duran e J.Ribamar (“Ideias Erradas”) e Djavan (“Boa Noite”).

O nome do disco remete a um trecho de um poema de Sérgio Vaz (“Briga tem hora pra acabar e luta é para uma vida inteira”). Frase que tem identidade concreta com o álbum, que tem um caráter mais feminino e de resistência, segundo descreveu Izzy Gordon.

“O poema se identifica com a minha resistência, com a música que eu escuto e sobre não desistir dos meus sonhos. Meu sonho pra vida inteira é levar minha música para o mundo. Quero viajar muito com o meu trabalho, mostrar para o maior número de pessoas. É a minha missão”, conta.

Uma das faixas assinadas pela cantora é Luzia, uma canção que homenageia as mulheres. “Estamos neste momento de enaltecer, em especial as mulheres que são as lutadoras. Nós temos que nos unir, nos fortalecer. Fiz ‘Luzia’ pra elas, são minha inspiração”, ressalta.

Rap nacional

No show que Izzy Gordon fez no dia 27 de agosto de 2018, ela contou com a participação do grupo Rimas & Melodias. No disco, há uma faixa assinada por Rael e a cantora já dividiu palco com nomes como Emicida e Flora Matos. Ainda que olhe sempre para o passado como inspiração, Izzy Gordon fica de olho também nas movimentações culturais mais recentes, e uma das mais fascinantes, para a cantora, é o rap nacional.

“O rap pra mim é o que eu não via há um bom tempo acontecer na música. É uma coisa revolucionária. A gente se inspira e segue, porque pra mim a música é um segmento. E a coisa mais nova e revolucionária que apareceu pra mim é o movimento hip-hop”, conta.

Em meio de tantas misturas, estudos e referências, Izzy Gordon segue em encontro ao seu sonho pra vida inteira, que é alcançar o maior número de pessoas possível. Diferente de muitos artistas do underground, a cantora não quer ficar presa em uma bolha e até considera fazer uma coisa mais pop, porém não no momento. Teve breve participação pelo programa Superstar, da Rede Globo e já tem guardadas algumas melodias para trabalhar no futuro. “Não, ‘Pra Vida Inteira’ não é o último álbum”, enfatiza a cantora.

De olho em todas as coisas que surgem, a absorção de estilos vai de acordo com a identidade, da conexão da cantora com a música. Desde a timidez e o medo do palco até hoje, Izzy Gordon, pelo seu talento e evolução, já deveria ter conquistado o mundo. E, assim como ela não estaria aqui se não fosse as muitas de suas influências, muitos cantores e cantoras no futuro existem e existirão pela existência e a obra de alguém como Izzy Gordon. A cantora, sim, é responsável por deixar nossa música ainda mais rica.

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