O músico que acabou de lançar Ottomatopeia conversou com o Palco sobre o novo disco e comentou a situação política do país
[Por Natasha Ramos]
Há cinco anos sem lançar nada, o músico pernambucano Otto retorna com Ottomatopeia, disco de inéditas produzido por Pupillo (Nação Zumbi) e recheado de participações especiais de Roberta Miranda, Céu, Manoel Cordeiro, Felipe Cordeiro, Andreas Kisser e Zé Renato.
Ao mesmo tempo em que pensava o seu sexto álbum de estúdio, Otto observava a situação política do país e disse que este momento turbulento que o Brasil e o mundo atravessam também foi inspiração para o disco. “Com a Dilma caindo, a clareza da corrupção, esperei esse tempo para digerir o que seria”, diz o músico. “Esse disco é isso: ele busca a Democracia, busca voto direto, mas ele fala no geral é dessa coisa meio fascista que o país está vivendo”.
Aos 49 anos, Otto diz que o novo disco é muito mais maduro e coeso do que qualquer outro de sua carreira. “Talvez, agora, eu tenha chegado no alto das nuvens e eu pude pensar mais o disco. Nos outros, eu queria largar, eu não ia para estúdio, a capa eu deixava para qualquer um, este a capa veio da minha casa”, diz o músico referindo-se ao trabalho de sua esposa, a fotógrafa francesa radicada em São Paulo, Kenza Saïd, que assina a direção de arte do disco.
O Palco Alternativo bateu um papo com o Otto para saber mais sobre todas essas questões que envolveram a feitura do disco e também sobre o que ele está pensando sobre o Brasil e o mundo, o rock’n’roll e bandas novas. Se liga!
Palco: Você está na “fossa” em relação à situação política do país?
Otto: Fazem cinco anos que não lançava nada e eu pensei, o que vou falar nesse momento, com a Dilma caindo, a clareza da corrupção, esperei esse tempo para digerir o que seria. Neste disco, eu falo de amor, de desejo, mas também é um grito nesse sentido do que que está acontecendo no país e no mundo.
A capa do disco teve direção de arte da Kenza, foi inspirada num quadro do romantismo alemão, de Caspar Friedrich, que se chama O Viajante sobre o mar de Névoas, em que aparece um homem olhando por cima das nuvens. Eu com 49 anos, já depurei muita coisa e hoje posso falar de um lugar mais alto, posso ver as coisas de cima.
Só vamos nos erguer com muita luta, com eleições diretas, com pensamento mais humanista.
Eu já fui muito de fossa, mas hoje eu falo de amor. Estou longe do conservadorismo, do fascismo. Precisamos falar de amor. As coisas estão muito extremas.
Palco: Quais outras referências do disco?
Otto: Uma referência foi o fotógrafo japonês Araki Nobuyoshi, que usa muita bandagem. No encarte do disco, vocês verão que tem muita imagem de tortura, até para remeter a 1964, porque não é possível que o Brasil comece a simpatizar com figuras como o Bolsonaro.
Esse disco é isso: ele busca a Democracia, busca voto direto, mas ele fala no geral é dessa coisa meio fascista que o país está vivendo.
Palco: Você é otimista?
Otto: Eu sou muito. Acho que as nuvens estão negras agora, mas daqui a pouco deve mudar. Eu não acho que, com a informação que nós temos hoje, vamos cair no conservadorismo. Não é possível, com a velocidade e as conquistas do mundo, que as pessoas vão insistir em ser racistas… está tendo, mas não é possível que não vamos rebater isso com liberdade.
Eu acho que a humanidade vai se reerguer. Depois de ver todo esse espetáculo teatral da mídia, eu tenho vontade de dizer: desisto, parece impossível tirar esse cara [o presidente ilegítimo, Michel Temer], que tirou uma mulher honesta, e trouxe toda a sua corja.
Acho que a restauração da Democracia é muito importante, e espero que em 2018 ela venha.
Palco: E nesse novo disco, podemos escutar um Otto mais sincero, mais cru nas letras?
Otto: Eu vivo para escrever, eu vou viver do que eu escrevo, do que eu canto. Eu escrevo um poema por dia, um pensamento por dia na internet, então isso me enriqueceu no dia a dia.
Eu estou muito confiante das coisas que eu penso, das coisas que eu amadureci, principalmente na minha escolha política. Estou vendo um desbunde fascista e não é possível que vou concordar com isso.
Na música, a mesma coisa, tanto eu, quanto Pupillo, quanto as pessoas que fizeram o disco, uma geração de músicos que estão amadurecendo e uma geração de músicos que estão na melhor época da vida.
Eu me considero extra-pop, não estou no mercado, não toco em rádio, mas eu sei que eu toco na internet, eu toco no boca a boca, no tête à tête.
Palco: Como é este novo Otto nos palcos?
Otto: Eu sempre faço os discos olhando pros shows. Então meus discos são muito o show. Eu já fui muito de fazer as coisas de arroubo, hoje, com 49 anos eu já paro, já penso, me disciplino. Já produzo mais. Hoje, eu sou muito seguro do palco e do que eu escrevo, acho que as coisas estão dando certo. Principalmente, porque eu tenho um publico muito bom, que não é afobado, não é desinformado, gosta de outras coisas boas. Às vezes, no palco, eu sou um caro que deliro e divago. Hoje, eu sinto que toda loucura minha, neguinho nem pergunta, ele já entende. Comigo sempre tem uma troca.
Palco: Por que Ottomatopeia?
Otto: Foi um amigo meu, Petra, ele é sérvio, ele está em NY, e ele ficava me falando: “Onomatopeia, Ottomatopeia”. Quando eu voltei pra cá, eu sonhei com Petra falando isso e virou o nome do disco. Eu sempre escolho o nome antes do álbum ficar pronto. O próximo disco já tem nome: Vernáculo.
Palco: Fala um pouco sobre as parcerias, tem desde Roberta Miranda até Andreas Kisser…
Otto: [A música] “Carinhosa” [parceria com o cantor e compositor capixaba, Zé Renato] foi uma elevação na minha composição, é mais adulta, tem uma coisa que eu não tinha em outros discos. Zé Renato, que é de uma geração mais velha, me deu essa melodia para eu cantar em cima. Ele foi um mestre que me colocou num nível de canção que eu não tinha em outros discos.
Roberta Miranda, eu a conheci em Brasília, eu não a conhecia pessoalmente, embora sempre fui seu fã. Eu participei da trilha sonora do filme Quase Samba [2012] e eu perguntei para ela se eu não poderia gravar “Meu Dengo” para o filme. No dia que ela veio gravar comigo, a Céu, que é mulher do Pupillo, estava. Então, tive Céu e Roberta Miranda nesta música, uma música bela, que eu fiz um surf music. Foi numa hora maravilhosa, pois ela está numa hora maravilhosa, quem acompanha Roberta nas redes sociais que sabe disso. E não sei se vocês sabem, mas a Roberta foi a primeira mulher no Brasil, talvez na América Latina, que vendeu mais de um milhão de discos.
Também teve Seu Manoel Cordeiro, ele é um mestre lá do norte, que fez “Teorema”, música que foi pra outro filme, de Lino Ferreira, chamado Sangue Azul [2015].
Andreas Kisser [que toca na música “Orumilá”] foi o seguinte: tem um escritor e publicitário brasileiro, o PJ Pereira, ele escreveu dois livros, é diretor de cinema, e o sonho dele é fazer um filme sobre orixás nos moldes de O Senhor dos Aneis. Ele me chamou para fazer a música do teaser desse filme [que conta com Pupillo na bateria e tem a participação da guitarra do Andreas Kisser]. Então [essa música] tem Andreas Kisser, tem os batuques da Nação, tem esse frescor dos anos 90. É impressionante o talento do cara para levantar a guitarra, é Sepultura, né?
Palco: Em relação ao disco anterior, como foi o processo de gravação de Ottomatopeia?
Otto: O outro não pesou tanto quanto este pesou em matéria de disciplina minha, acho que fui mais disciplinado. A diferença maior deste para o outro, além da maturidade, é que esse é muito mais coeso do que qualquer um. Talvez, agora, eu tenha chegado no alto das nuvens e eu pude pensar mais o disco. Nos outros, eu queria largar, eu não ia para estúdio, a capa eu deixava para qualquer um, este a capa veio da minha casa. Ele é muito mais independente, esperei muito mais, tive mais calma, para surfar nesses momentos de criação, de acreditar no que eu estava fazendo. Não estava preocupado com quem ia pagar o disco. Um dos estúdios foi a casa de Pupillo [em São Paulo. Os outros foram o Red Bull Station e o estúdio do Kassin, no Rio de Janeiro]. Então, tive tempo e calma para trabalhar nele.
Eu sempre fui muito empolgado, aquela coisa sexo, drogas e rock’n’roll. Não dava porra nenhuma, eu não saia do lugar. Então, eu falei: vou fazer o seguinte, para tudo e começa um novo caminho, o mundo já está mudando. Vou ser um cara digital, vou escrever todo dia, vou filmar algo meu bacana.
Minha atenção está muito mais em saber que a internet é o que faz com que eu vá em qualquer lugar do Brasil e do mundo e vai ter gente lá que me acompanha. Depois da internet, você não precisa mais do mainstream, do hype, do jabá (eu nunca precisei), para se lançar. Meu instagram tem 70 mil pessoas, que não é nada de mais, mas são 70 mil pessoas que estão atentas ali pra mim.
O ROCK NÃO MORREU
Otto: [Tenho escutado ultimamente] Tulipa, Céu, Vanguart, Johnny Hooker, Jonata Doll. Gosto desse pessoal que está mandando o gênero pra puta que pariu. Gosto dessa coisa meio setentona. Gosto da busca pela música brasileira antiga.
O que estagnou não foi o rock’n’roll, foi o mainstream desse rock. Porque se você for ver na molecada que tem paralela a esse mainstream o rock está vivo.
Você junta rock com os batuques, e é rock. O rock não é mais um estilo [próprio] de algum lugar. E você vê as manchetes falando o rock acabou. O rock não acabou. Ele mudou.
A gente vinha pra São Paulo com a Mundo Livre, a gente tocava rock, punk. Neguinho aqui tinha um pensamento assim, ou era americano ou não era rock. Tinha que ser em inglês. Hoje, o paulista está muito mais aberto do que era. Mais diverso.