ENTREVISTA: Tommm e Fractal

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Dupla paulistana bebe da fonte do rap, literatura e poesia para fazer um som que combina rimas e questões existenciais

[Por Natasha Ramos]

A Fractal e Tommm pode soar como rap, mas a proposta da dupla vai além disso. Que essa é sua principal fonte de inspiração, não há dúvidas, mas eles transcendem a questão social do estilo musical para trazer uma visão mais cosmopolita e, de certa forma, engajada em suas composições. Há quem diga que são samba-rap, eles preferem não se atarem a definições. E, no final das contas, o som da dupla, como falou Tommm na entrevista ao Palco Alternativo, fica “entre aquilo que a gente quer ser e aquilo que a gente consegue ser”.

Tommm é Thomas Monteiro e Fractal é João Mello, amigos há dez anos, se conheceram no curso de Jornalismo da PUC-SP. Segundo o João, o Alemão (como chama o Tommm),  já era “um protótipo do monstrinho autodidata que se tornou desde aquela época – “ele curtia montar umas batidas a partir de samples que pegava na internet”. Segundo o Alemão, o “Jão” sempre teve talento para escrita. E de empurrãozinho em empurrãozinho, a coisa engrenou e, em novembro de 2016, eles resolveram levar a sério essa coisa de fazer um som.

A dupla tem duas músicas lançada, “Mulheres que correm com os drones” e “Pós-apocalíptica”, e estão acabaram de lançar uma terceira música “7 Vidas no Recife {Mulheres Afogados Prazeres Aflitos)”. O disco completo está na mira, deve sair neste segundo semestre de 2017.

Mais sobre o trabalho da dupla, suas referências e planos para o futuro você confere no bate-papo do Palco com a Fractal e Tommm. Se liga!

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Palco Alternativo: As letras de vocês se diferenciam dos raps que trazem a questão da periferia bem forte, como Racionais. São temas mais urbanos, cosmopolitas. Quais as fontes de inspiração de vocês para compor?

Fractal: Todo mundo mundo tem sua crise existencial própria. Tá todo mundo de cabeça cheia. E todo mundo tem seus jeitos de lidar com isso, de se divertir nesse mundo distópico. Nosso som quer reverberar um pouco nessa frequência aí.

Eu vejo que um denominador em comum nas nossas músicas é a crise existencial. Também a morte – não como uma coisa mórbida e assustadora, mas como uma mera consequência da eterna mudança que é a ordem natural e até como sinônimo de nascimento. A melancolia, se é que melancolia é uma tristeza bonita, como eu acho que é. O surrealismo. E o permanente encanto com a vida, que é bonita e esquisita pra caralho.

Tommm: É que a gente não tem essa ambição de fazer rap – dentro do que esse estilo significa no Brasil… A gente respeita demais o trampo do Racionais e dos demais artistas brasileiros de rap para querer fazer o que eles fazem. E, inclusive, acho que nem vem ao caso para a gente. O nosso projeto em termos de concepção das letras está muito mais para o âmbito da literatura e da poesia do que para o rap. Acho que é brincando com esse espaço meio incerto que a gente pode vir a trazer algo novo. Acho que se fossemos dizer um artista brasileiro que estaria mais no horizonte do que a gente busca fazer, seria o Chico Science.

Palco Alternativo: Quais as referências de vocês (musicais ou não)?

Fractal: Hoje em dia eu ouço muito rap, as vezes mais do que eu gostaria. Pra falar um gringo e quatro brasileiros: Chance the Rapper, Xamã, Don L, Vitor Xamã (são dois xamãs diferentes) e Yank, do Barril de Rap. Pra fora da música: Timothy Leary e Campos de Carvalho.

Tommm: Não via a hora de dar uma entrevista para falar do Busy Signal hahaha (acho que todo mundo que me conhece já está até farto de ouvir falar nele)… Me inspiro muito na concepção artística dele como um todo. Talvez se você escutar o som dele, vai ver quase nenhuma semelhança com o nosso som, musicalmente. Mas tenho ele como referência por ser um cara que faz exatamente o que queremos fazer – cria linguagens e concepções para cada música.

Você pode escutar uma música dele [Busy Signal] e achar que é rap e outra pessoa escutar e achar que é outra coisa. O mesmo vale para quando ele faz dancehall, reggae, afrobeat. E é um cara que sempre está experimentando e inovando com tempos e grooves. Então, sinto que essa dimensão experimental me seduz mais até do que o produto final.

Para referências fora da música, estamos trabalhando num som baseado no livro do escritor moçambicano Luis Bernardo Honawa (“Nós matamos o cão tinhoso”). Então é procurar referências fora do eixo que nos seria natural através da indústria cultural.

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Palco: Como é o processo de composição das músicas?

Fractal: O Alemão cria as batidas. Ele me manda, eu escrevo uma letra em cima, já pensando no flow etc. Em geral é isso. Eu também tenho um monte de letra guardada e as vezes eu coloco em cima da batida também. A parte de produção e gravação é do Alemão. Já rolou da gente criar a letra junto também, um escrevendo e mostrando sua parte pro outro ali na hora, mas esse é um processo bem mais caótico.

Tommm: Eu pessoalmente tenho um processo muito heterodoxo. Não escrevo nada no papel, nem crio os beats já pensando numa temática.. Acho que tudo acaba rolando meio na intuição. Vou escutando o instrumental até alguma palavra surgir na minha cabeça e assim por diante. Mas, cada música é um projeto si… então cada música tem um processo particular também. Não tem uma regra.

Palco: Vocês acabaram de lançar uma terceira música, né? Fala mais sobre ela. 

Fractal: O nome da música é 7 VIDAS NO RECIFE [MILAGRES AFOGADOS PRAZERES AFLITOS]. É uma música sobre Recife, o Tommm morou lá um tempão da vida dele e dá pra ver que é algo que marcou sua personalidade. Essa música ele criou há uma cota, logo depois que nossa primeira tentativa miou, lá por 2012. A gente deu um tapa na batida, acrescentou uma letra minha no meio e boa. Na minha visão é nossa melhor música até agora, das 3 que a gente já soltou. A minha parte fala um pouco da visão de fora, do estereótipo de praias famosas, tubarão tingindo a água de vermelho.

Tommm: É sobre a cidade do Recife, criando imagens a partir dos nomes totalmente sugestivos dos bairros (Milagres afogados, prazeres aflitos). Na minha visão, a cidade do Recife é uma uma mistura de tropicalidade turística e profundidade sombria. Como falo na letra: “A cidade é devaneio/macaxeira se crescendo sobre um campo de centeio/um engenho meio dentro, meio fora da história”. E nessa ideia de criar uma estética que tenha a ver com a letra, claro, teria que ter Chico Science de inspiração musical. Mas também tem umas referências a Alceu – “pelas ruas que andei procurei”…

Acho que a ideia estética é essa: tropicalidade sombria com admiração ao sotaque musical e cultural do Recife.

Palco: E o disco completo? Quando chega?

Fractal: Nossa ideia é soltar até o fim do ano. O nome deve ser ENTRE A FEBRE E O RATO e vai ter umas 7 músicas.

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Palco: Vocês já se apresentaram, pensam nisso? Têm algo em vista?

Fractal: A gente nunca se apresentou. Temos só 3 músicas lançadas, acho que isso é uma coisa pra quando tivermos essas 7 prontas. De toda forma, sou envergonhado pra cacete e to usando esse tempo pra aceitar a ideia de me expor em cima do palco. A vergonha é um medo motivado pela vaidade. É uma forma arrogante de medo e eu to numas de me livrar de toda forma de medo. Fazer música me ajuda nesse propósito.

Tommm: Não nos apresentamos ainda, já que o projeto ainda está em construção…. Mas temos isso em vista sim, claro. No momento o foco é na concepção de músicas.

Palco: Quais os planos para o futuro?

Fractal: Continuar aprendendo e criando, ao mesmo tempo. A gente tem uma ideia de, depois desse primeiro trampo das 7 músicas, fazer um CD baseado em um filme. Cada faixa ter como inspiração uma cena ou um personagem ou uma peça de cenário do filme. Eu queria fazer um desses com o Scarface. Fico imaginando a música do tigre. Mas não sei se o Alemão quer falar disso agora.

Tommm: Os planos do futuro são os mesmos do presente, achar inventar nosso espaço e nossa concepção. Amadurecer cada dia esse projeto.

Palco: Que mais?

Fractal: A vida é boa.

Tommm: Escute BUSY SIGNAL hehe

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