Diretor do documentário “Califórnia Brasileira” fala sobre a cena de punk rock e hardcore de Santos na década de 1990 e de hoje
[Por Natasha Ramos]
Na década de 1990, Santos vivia uma efervescência da cena punk rock e hardcore, skate e surf, que fez com que muitos considerarem a cidade litorânea paulista uma Califórnia brasileira, em alusão à cidade estadunidense, celeiro de expoentes como Rancid, NOFX, Sublime, No Doubt, No Use For a Name, Ladwagon, Dead Kennedys, dentre tantas outras.
Essa cena de Santos está retratada no documentário “Califórnia Brasileira – O Hardcore Punk em Santos – 1991 a 1999”, dirigido por Rodiney Assunção e Wladimyr Cruz, que conta com a participação de 25 personagens que ajudaram a construir aquela cena.
No entanto, a Califórnia Brasileira não era assim considerada apenas pelas bandas nativas da ilha, mas por toda movimentação que acontecia ali naquela década. À época, nomes como Street Bulldogs, Holly Tree, Blind Pigs (SP), Dead Fish, Mukeka di Rato (ES), Beach Lizards, Carbona (RJ) e Dread Full (MG), incluíam Santos como rota obrigatória de suas turnês.
Além destas, bandas gringas como Nofx, Millencolin, No Use For a Name, Satanic Surfers, Down by Law, Shelter, Lagwagon, Bad Religion, Backyard Babies, No Fun at All, Bambix, Exploited, Fugazi e Agent Orange, também se apresentaram na cidade litorânea.
“Santos sendo uma ilha, conseguia rivalizar em importância e quantidade com outras cenas gigantes do Brasil”, afirma Wladimyr Cruz. “Tinha tanto público, tanta banda, tanto selo e fanzine quanto São Paulo”, acrescenta ele que, além de diretor do filme, é editor do Zona Punk, um dos mais antigos e importantes sites especializados em hardcore e punk rock.
Em entrevista ao Palco Alternativo, Wladimyr conta mais sobre a cena noventista de Santos e como essa cena está hoje; o que os motivou a contar essa história em um documentário, como foi o processo de gravação e produção do filme e a relação deles com as bandas.
Palco: Quais são as bandas expoentes dessa cena de Santos da década de 1990? Por quê?
Wladimyr Cruz: O cenário santista 90s era um celeiro de bandas absolutamente plural e promissor. De sua primeira fase, ou seja, de 1990 a 95, podemos destacar nomes como Safari Hamburguers – que lançou na época o clássico álbum “Good Times”; o Psychic Possessor, uma das bandas hardcore punk mais influentes do Brasil com o disco “Nós somos a américa do sul”; e claro, o Garage Fuzz, uma das maiores bandas de hardcore em atividade até hoje no país.
De meados da década, podemos pinçar nomes como o White Frogs, The Bombers, Sonic Sex Panic e Sociedade Armada, isso só pra citar alguns com discos lançados no Brasil (e mundo) afora e uma carreira bem consistente fora dos limites locais. Pra completar, essas bandas vinham de uma cena abundante em público e informação, o que as colocou em situação absolutamente up-to-date com o que se fazia fora do país e com a mesma força de bandas que vinham das capitais.
Palco: E como era essa movimento em comparação com a capital, que já tinha uma cena desde a década de 80?
Wladimyr: Aqui também tinha uma cena desde os anos 1980, mas foi nos 1990 que o negócio ficou macro. A comparação com SP acaba acontecendo principalmente pelos números, e isso que fazia Santos tão especial nesse recorte temporal, pois tinha tanto público, tanta banda, tanto selo e fanzine quanto São Paulo.
Santos sendo uma ilha, conseguia rivalizar em importância e quantidade com outras cenas gigantes do Brasil.
Palco: Como é a cena de punk rock/hardcore hoje em Santos?
Wladimyr: Ela continua acontecendo. Obviamente em outros moldes, em outras quantidades. A cena da qual falamos é datada naquele recorte temporal, nunca mais vai ter algo igual. Não é melhor nem pior hoje, apenas diferente. A relação das pessoas com a música é outra, pra começo de papo. Mas a terra continua exportando bandas, sejam novas ou antigas, e assim forma um cenário ainda relevante, com bandas como o The Bombers, Surra, Savantes, Bayside Kings, Dr, Kaveira, Garage Fuzz e muito mais.
Palco: O que os motivou a encabeçar esse projeto do “Califórnia Brasileira”?
Wladimyr: Nós vivemos isso. Tanto eu quanto o Rodiney somos cria dessa ‘califórnia brasileira’. E no meu caso isoladamente, minhas aventuras no audiovisual são 100% voltadas ao rock, retratar esse período era quase uma dívida histórica comigo mesmo. Este é meu quarto longa, o segundo com o Rodiney, e todos são sobre rock, pois é o assunto que me importa e que pauta minha carreira inteira, como jornalista e agora cineasta.
Palco: Como foi o processo de gravação e produção do filme? O resultado saiu como vocês haviam pensado?
Wladimyr: O documentário é algo vivo, conforme é feito toma cara própria. Mas, devo dizer que nesse caso isso foi diferente. Tivemos total controle do que queríamos e qual a abordagem traríamos à vida. E como a equipe inteira se resume a apenas nós dois – e somos amigos de anos – a coisa é fácil, flui sem pressa e sem pressão.
Palco: Como editor do Zona Punk, você já tinha contato com muitas dessas bandas? Isso facilitou de alguma forma o processo do filme? Como era/é sua relação com as bandas da cena de Santos? E da capital?
Wladimyr: O ZonaPunk está no ar há 18 anos, e antes disso – durante a ‘califórnia brasileira’ – eu já fazia fanzine em papel, ou seja, todas as bandas em algum momento eu já tive contato. Isso facilita, claro, mas a ‘carteirada’ nem se faz necessária. Quando a gente vai falar da nossa vida, aliás, da melhor parte de nossa vida, que é o caso dessas bandas, dificilmente há recusa ou vírgulas.
Hoje o ZP continua lidando com as bandas independentes, além do mainstream. Talvez com menos envolvimento e maior pragmatismo, resultado de mais de 20 anos de jornalismo musical voltado ao underground.
Palco: Vi que a première do filme foi realizada em Santos, onde também está rolando uma exposição. Há planos de trazer o filme para as salas de cinema da capital e de outros Estados? Onde será possível encontrar o filme?
Wladimyr: Ontem (18) foi a première aqui e no fim de semana será o show de lançamento do filme. Semana que vem vamos começar a agendar exibições Brasil afora. E não somente em cinemas. Pelo caráter punk e indie do filme, qualquer espaço alternativo que possa disponibilizar espaço para nós, o filme irá. Além disso a versão home-video em DVD será lançada nos próximos meses para os que querem ter o objeto físico. Por fim, licenciamento para TV e distribuição digital está nos planos, para seguir o mesmo modus operandi dos longas anteriores.