Um sonhador, febril e religioso retrato de uma das mais extraordinária bandas do nosso tempo
“A música está sempre acontecendo em volta de você”, diz uma voz no filme Reflektor Tapes, novo lançamento do Arcade Fire. “Há novos híbridos de vastos oceanos de ondas musicais indo e voltando. Você tem que combiná-los com aquela nova força para fazer um novo tipo de onda”.
Isso, na sua mais pura essência, é a dita missão do Arcade Fire em Reflektor (4º disco da banda, lançado em 2013). Muito mais do que apenas uma banda – o grupo canadense proporciona uma nova experiência sonora, cor e vida. O disco em si é um definidor de gênero e Eras, uma vez produzido pelo tipo de banda que aparece apenas uma vez a cada geração. A turnê que seguiu o lançamento trouxe esse sentimento à tona – uma fantasia multi-sensorial. Quem teve a chance de assistir ao show dos canadenses no Lollapalooza 2014, em São Paulo, sabe do que estamos falando. Esse filme apenas segue o mesmo espírito, que entra por baixo da pele dessa banda da maneira mais surreal e irreal que pode ser.
Uma das mais profundas raízes da estética do Arcade Fire é tentar ignorar o mundo e fazer arte somente para as pessoas na sala ao seu redor. Mas não para por ai – os fãs também foram contemplados pela obra. Então diga adeus ao que você conhece e se perca no Arcade Fire. Assim como você poderia esperar, esta não é a narrativa padrão. Reflektor Tapes é uma onírica, febril e fantástica montagem de cenas cortadas, gravações de estúdio, clipes de shows, entrevistas íntimas, retratos dos fãs e alucinações magnéticas. Como disse a cantora e compositora da banda Regine Chassagne, a música deveria ser ‘como um diamante com milhões de cortes’, e esse filme é o mundo colocado através do maravilhoso prisma do Arcade Fire.
“Fazer bobbleheads de nós mesmos foi uma maneira de inverter nossa relação com a audiência, fazendo um tipo de auto-caricaturização”, diz Win Butler, vocalista da banda, em sua atualmente icônica fantasia de palco usada durante a turnê. “Para não apenas ficar tirando fotos o tempo todo e se mover na multidão, sentindo um tipo de energia comunal com a coisa toda”.
Na música “Flashbulb Eyes”, a banda perguntou “E se as câmeras realmente sugam nossa alma?”, e você genuinamente acredita que isso não é apenas um bando de estudantes de arte metidos a posers, mas artistas autenticamente comprometidos a ultrapassar as amarras e distrações do mundo moderno, para terem a chance de trazer a mais pura experiência do que eles realmente queriam passar. Onde a ambição e a fantasia se manifestam, a música se torna física e todos nós nos sentimos parte do Arcade Fire numa espécie de catarse coletiva.
Em certa altura, eles trazem a citação do filósofo e teólogo dinamarquês Kierkegaard que diz “a era atual é a de entendimento, reflexão, desprovida de paixão, uma era que voa para o entusiasmo por um momento, apenas para declinar outra vez para a indolência”. O filme inteiro prova que quando uma banda está dedicada e se agarra a sua própria visão, então ‘o novo universo onde as histórias acontecem’ se torna real. Não há declínio.
Os fãs vão se apaixonar e adorar esse filme (não apenas pelas imagens dos shows da banda no pico de suas forças e com as incríveis novas músicas, como “Get Right” e “Crucified Again”), mas esse filme também foi feito para arrebatar novatos que irão se confrontar com uma banda que soa, muitas vezes, única nos tempos atuais (se é que isso ainda é possível).
É verdade que poderia haver um pouco mais de coragem, documentação e insights sobre as conflitos humanos e problemas da banda, mas isso talvez estragasse a fantasia. Reflektor Tapes é um retrato extraordinário sem dúvida de uma das bandas mais extraordinárias do nosso tempo.
Da redação com informações do Gigwise