Cantora foi uma das atrações do festival Cruilla, realizado nos dias 5 e 6 de julho na cidade catalã
[Por Ana Campos, em Barcelona]
As palmas chegaram antes de Cat Power aparecer no palco do Parque do Forum, em Barcelona, para o seu show do festival Cruilla. A guitarrista Adeline Fargier, de franja e cabelos compridos e claros, antecede a banda e parece confundir parte – pequena – do público.
O solo de Adeline recebe a cantora norte-americana, que entra sob aplausos e gritos ansiosos de quem já abstraiu seu pequeno atraso (mas que custou uma música). Ainda com cigarro em mãos e óculos de sol no rosto, Chan Marshall se acomoda atrapalhadamente ao palco e aos fãs, que, como costuma acontecer, já estão rendidos.
Acompanhada ainda do tecladista Gregg Foreman (Dirty Delta Blues), da baterista Alianna Kalab, da percussionista Nico Turner e de dois microfones, Cat Power abre o show com uma versão mais sombria, mas vigorosa, de “The Greatest”, do álbum homônimo de 2006.
As quatro músicas que a seguem estão no seu trabalho mais recente, “Sun” (2012): “Cherokee”, “Silent Machine”, a hipnotizante “Manhattan” e “Human Being”, que se mantiveram fieis às versões do estúdio.
Mais eletrônico e vibrante, o disco não chamou a atenção apenas pela sonoridade. Na divulgação de “Cherokee”, a cantora surpreendeu ao aparecer de cabelos curtos e loiros. O uniforme de trabalho – camisa verde musgo de mangas compridas – foi substituído pela jaqueta jeans.
Após recuperar a crua “King Rides By”, do álbum “What Would the Community Think “(1996), e apresentar a balada recém-lançada “Bully”, a cantora retoma “Sun” com “3,6,9”, um dos grandes hits do disco, fazendo desaparecer a melancolia deixada por “Bully”. “Nothing But Time” faz todo o sentido ao vivo e contou com a entrega sincera de Chan.
Como sempre infalíveis e arrebatadoras, “I Don’t Blame You” e “Metal Heart”, tiradas de “You Are Free” (2003) e “Moon Pix” (1998), indicam, para quem acompanhou os últimos setlists, que a apresentação está perto do fim.
Menos indecifrável que Bob Dylan, Cat Power é conhecida por reconstruir músicas (suas ou não) com desapego e autoconfiança – ela sabe e nós sabemos que o resultado será genial, mesmo que só o reconheçamos após um estranhamento inicial. “Jukebox” (2008) e “The Covers Record” (2000) são dessas provas irrefutáveis.
O cover de Rowland S. Howard, “Shivers”, antecede “Ruin”, primeiro single de “Sun” a ser liberado e última música do show. “Peace and Love” precisou ser cortada. Outras três do último álbum (“Sun”, “Always on my own” e “Real Life”) não chegaram a ser incluídas no repertório.
Tudo e nada parece mudar em Chan Marshall. Sua imprevisibilidade é coerente. Não é a primeira vez que recria seu próprio gênero, que corta seus cabelos, que desmonta estereótipos. Ao mesmo tempo, o modo como interpreta suas músicas com o corpo, com as mãos, de um jeito infantil, às vezes robótico, não muda. O ar rebelde readquirido ainda tem muito da melancolia de sempre. Quase é possível enxergá-la em seus olhos.
As músicas acabaram, mas quem a conhece sabe que pode esperar seu retorno ao palco. Por mais dez minutos, a cantora jogaria rosas brancas e setlists e selos com a reprodução da capa de “Sun” e água e baquetas – e seus braços, numa mímica adorável.