[por Andréia Martins]
Albert Maysles, 85, é o que podemos chamar de testemunha privilegiada da música, ou melhor, do rock. Há poucas semanas ele dividiu algumas de suas melhores histórias com o público no festival In Edit, em São Paulo. Entre algumas frases marcantes desse ícone do documentário, está a que ele explicou seu interesse por fotografar e filmar as pessoas: conhecer melhor e se aproximar do outro.
“Comprei uma câmera para conhecer melhor as pessoas comuns”, disse ele, que começou seus registros em um época onde muitos americanos estavam indo para guerras. “As guerras seriam evitadas se nós conhecêssemos a quem estamos matando”, declarou.
A frase define bem o que guia Maysles em sua profissão. Quer enxergar de um outro ponto de vista, se aproximar de pessoas que às vezes passam por nós diariamente ou ás vezes vivem em mundos completamente diferentes, mas que de perto não são tão diferentes assim de nós. Seu objetivo, como ele mesmo contou, é “humanizar”.
“Você se aproxima tanto dessas pessoas que pode sentir-se no lugar delas”, disse Maysles durante uma palestra no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo. E foi isso que ele fez com duas das maiores bandas de rock do mundo, Beatles e Rolling Stones, entre outras figuras da música.
“Recebi um telefonema de uma emissora de TV dizendo que os Beatles estariam na cidade e perguntando se eu não queria fazer um filme. Olhei para o meu irmão e perguntei: Quem são os Beatles? Eles são bons?”, contou ao relembrar o convite para o que seria seu debut no mundo da música, What’s Happening! The Beatles in the U.S.A., sobre a visita dos Beatles aos Estados Unidos em 1964.
Depois de descobrir quem afinal eram os Beatles, Maysles pegou sua câmera e foi atrás do quarteto. Apesar da estadia da banda nos States ter sido de cinco dias, ele diz que passou os próximos 60 dias com a banda. “O tempo que passamos juntos nos transformou em amigos para sempre”, contou o cineasta.
A proximidade com o quarteto também o levou a conhecer outra figura importante, Yoko Ono. Ela é o centro do documentário Cut Piece, que Maysles dirigiu em 1965 ao lado do irmão, o também cineasta David Maysles.
Seis anos depois, suas lentes mostrariam ao mundo um dos momentos mais emblemáticos da história do rock’n’roll: o show dos Stones em Altamont, na Califórnia, onde um homem morreu assassinado pelos Hell’s Angels, que faziam a segurança do evento, uma das apresentações da turnê americana que o grupo fazia em 1969.
Lançado em 1970, Gimme Shelter é um dos documentários mais polêmicos do mundo da música. Entre as melhores cenas do documentário está a de uma audição de Wild Horses, recém-gravada pela banda. [Repare a “viagem pessoal” de Keith Richards e o olhar de Charles Watts encarando a câmera enquanto ouvem a canção na cena do vídeo abaixo, que integra o documentário ].
Acompanhando a banda na turnê americana, Mysles ainda filmaria o primeiro show do grupo liderado por Mick Jagger no Madison Square Garden, em Nova York, em novembro de 1969.
O show rendeu aos Stones o álbum Get Yer Ya-Ya’s Out!. Quatro décadas depois, em 2009, Mysles lançou o filme homônimo com as imagens até então inéditas.
“Meus filmes são sobre isso. Mostrar as pessoas e ver o que elas estão experimentando”, comentou.
Segundo Maysles, se aproximar dos Beatles e dos Rolling Stones foi fundamental para que ele entendesse bem os anos 60. “Enquanto os Beatles são a inocência daquele período, os Stones indicam uma profunda mudança no final da década”, disse.
Amizade com Paul McCartney
O tempo passado ao lado dos Beatles, como o próprio Maysles disse, rendeu uma amizade para o resto da vida. Por isso, anos depois do primeiro encontro entre o cineasta e o quarteto, Paul McCartney não pensou duas vezes ao escolher o diretor para dirigir o documentário The Love You Make, sobre os bastidores do festival The Concert for New York.
Filmado em 2001, logo após os atentados de 11 de setembro, Maysles lembra que a ideia do show era dar ânimo à cidade. Um trecho do documentário foi exibido durante o In Edit. Além de imagens de ensaios e do show, o filme mostra Paul McCartney pelas ruas de Nova York, sendo parado por fãs, amigos de fãs e até moradores de rua. Segundo Maysles, o filme deve ser lançado no aniversário do 11/9 deste ano.
Mais músicas pelas lentes de Albert Maysles
Nem só de Beatles e Rolling Stones é feita a obra musical de Maysles. Em sua extensa filmografia — que abrange personagens como Orson Welles, Marlon Brando, pacientes terminais em um hospício, a Edith Bouvier Beale e sua filha, Little Eddie, que viviam isoladas do mundo, apesar de pertencerem à família dos Kennedy, e foram imortalizadas no filme Grey Gardens, entre outros.
Um personagem muito explorado por Maysles foi o pianista Vladimir Horowitz. O primeiro documentário, The Last Romantic, de 1985, mostra conversas privadas entre o pianista e a mulher, além de um recital em um teatro de Nova York. Vladimir voltaria a ser tema de um novo documentário dois anos depois, em 1987. Em Horowitz Plays Mozart, Maysles explora uma grande paixão do pianista, durante sua primeira sessão de gravação em estúdio em 35 anos.
Seiji Ozawa, que era diretor musical da Sinfonia de Boston, foi retratado por Maysels no documentário Ozawa, lançado em 1985. O maestro foi um dos primeiros orientais a ocupar tal cargo no mundo ocidental.
Na sequência vieram Jessye Norman sings Carmen, de 1989, um show filmado por Maysles com direção musical do mesmo Osawa; Soldiers of Music: Rostropovich returns do Rússia, de 1991, outro filme sobre um personagem da música clássica; Baroque Duet, de 1992, com performances da estrela da ópera Kathleen Battle e do trompetista Wynton Marsalis, e Accent on the Offbeat, de 1994, um filme sobre dança e música.
O gosto por artistas clássicos vem de criança. “Aprendi a gostar de música apreciando a música clássica com meu pai, que costumava colocar discos e sentar-se ao lado da vitrola para sentir a música. Foi como conheci a música”, disse Maysles.
Em todos esses trabalhos, Maysles contou que o que o move “é o desejo de conhecer quem você está filmando. É a filosofia da descoberta, de trazer para a vida real. Muita coisa precisa de transformação, humanização”.