Annie Leibovitz: a primeira dama da fotografia do rock e das celebridades
[por Carol Cunha]
John Lennon estava nu e agarrado a uma Yoko Ono vestida de preto. O maior astro dos Beatles naquela época posava de olhos fechados e parecia vulnerável. Lennon olhou para a Polaroid e comentou: “Esse é o nosso relacionamento”. Horas depois, ele seria baleado e morto em frente ao edifício Dakota, em Nova York.
Clicada em 1980, a última foto de John Lennon foi imortalizada em uma capa histórica da revista Rolling Stones, esgotada nas bancas em poucos dias. Em 2005, a Sociedade Americana dos Editores de Revistas (ASME) considerou a capa a mais importante dos últimos 40 anos. Por trás das lentes, estava a fotógrafa americana Annie Leibovitz.
Nascida em 1949, Annie começou sua carreira profissional aos 20 anos na Rolling Stones, na época, uma publicação recém-lançada em São Francisco que cobria a cultura do rock and roll. Morando no epicentro da contracultura hippie, Annie estava no lugar certo, na hora certa.
Estudante do San Francisco Art Institute, ela tinha um pequeno portfólio de fotografias que impressionou os editores da revista: um retrato do poeta beatnik Allan Ginsberg, tirado numa manifestação contra a guerra, e fotos de Israel, fruto da temporada que viveu num kibutz. Sua habilidade com a câmera fez com que ela conquistasse rapidamente o seu espaço. Em 1973, com apenas 23 anos, já era chefe de fotografia da publicação.
Like a Rolling Stone
Annie foi uma das primeiras mulheres a exercer o fotojornalismo e trabalhou na Rolling Stone durante dez anos. Ela imprimiu seu trabalho em 142 capas, ajudando a moldar a identidade da revista e o imaginário de uma época. Neste período fotografou praticamente todos os artistas em ascensão como Bob Dylan, The Clash, Diana Ross e Bob Marley, apenas para citar alguns.
Annie apresenta muitos estilos ao longo de sua carreira, mas o que nunca mudou foi sua capacidade de testar novas ideias. Em alguns cliques, buscava se conectar com a essência da personalidade do artista. Quando disseram que Patti Smith seria matéria de capa em 1978, Annie não hesitou em jogar fogo num barril e posicionar a cantora em frente a uma grande labareda. Tudo para transmitir a energia e força que ela via na cantora. Ideias simples também valiam, como pintar de azul o rosto dos Blues Brothers e fotografar Alice Cooper com uma cobra enrolada no pescoço. Em outros momentos, seus retratos refletiam um humor afiado e personagens em situações surreais.
Uma de suas experiências mais marcantes foi em 1975, quando foi para a estrada com os Rolling Stones para documentar a turnê de seis meses da banda de rock mais popular daquele tempo. A lendária viagem testou os limites de Annie com a rotina de drogas e baladas, mas ela também produziu fotos reveladoras e intimistas de Keith Richards e Mick Jagger dançando e cantando no palco, afinando instrumentos ou chapados nos corredores dos hotéis.
A turnê rendeu uma amizade com o grupo para a vida inteira e um vício: a cocaína, que ela só conseguiu largar após se internar em uma clínica. Em uma entrevista para a Vanity Fair, ela declarou que demorou cinco anos para apagar as marcas daquela turnê. “As pessoas sempre falam sobre a alma do fotografado, mas o fotógrafo tem uma alma, também. E eu quase a perdi”.
Em 1983, Leibo aceitou trabalhar para a revista Vanity Fair e começou a fotografar celebridades e editoriais de moda. Também fez fotos para a Vogue e campanhas publicitárias. Com total liberdade criativa, foi responsável pela idealização de cenários fantásticos e caros, mas que rendiam cliques memoráveis. São famosos os editorais com a atriz Kirsten Dunst no palácio de Versailles encarnando o papel de Maria Antonieta, Whoopi Goldberg numa banheira de leite ou Betty Mindlin mergulhada em rosas vermelhas. A editora de moda da Vogue, Anna Wintour declarou em uma entrevista que o investimento valia a pena, já que “ela te dá uma imagem como ninguém mais pode conseguir”.
As raízes da música americana
Em 2003, Annie Leibovitz lançou o livro Annie Leibovitz: American Music, um projeto pessoal que pretendia refletir a riqueza sonora norte-americana. No livro, ela conta que seguiu o desejo de retornar ao seu tema original com um olhar mais maduro. Durante 1999 e 2001, percorreu lugares sagrados da música como o Delta do Mississipi, Texas e Nova Orleans, para documentar ícones do blues, jazz, country, folk, rap e o rock. As fotografias, com luz natural, valorizam e capturam a simplicidade dos músicos em seu cotidiano e comunidades, dentro de suas casas e ranchos, cantando em igrejas e clubes de jazz, gravando em estúdios ou dirigindo carros.
Estão lá: Johnny Cash and June Carter,Tom Waits, Dj Shadow, B.B. King, Beck, Brian Wilson, Iggy Pop, John Frusciante, Johnnie Billington, Lou Reed, Laurie Anderson, Michael Stipe, Norah Jones, Patti Smith, Ryan Adams, The Roots, The White Stripes e Willie Nelson.
O foco das lentes de Annie tem um segredo. Ela não ficou famosa por clicar as maiores celebridades americanas, pelo equipamento que usa ou pelas produções com verba astronômica,e sim pelo olhar clínico e sincero pelas pessoas. Sua vasta e polêmica produção fotográfica já foi exposta em dezenas de galerias e museus de arte.
Hoje, com 40 anos de carreira, Annie Leibovitz é um dos maiores nomes da fotografia mundial, uma cronista visual de seu tempo, com lugar garantido na história da cultura pop.
Para quem quiser saber mais sobre Annie, além do livro citado vale a pena assistir ao documentário: Annie Leibovitz -A vida através das lentes (Annie Leibovitz: Life Through a Lens, 2006).
tanta nudez e sinceridade em seu olhar, talvez, seja fruto de sua nada doce vida pessoal, que pode expressar algo tão sensível na arte. a título de curiosidade, vale lembrar que, como muitos gênios, ela também é uma desgraçada. hoje, acumula uma dívida de milhões e vive só, pois nos últimos cinco anos perdeu o pai, a mãe e sua companheira.
Sensacional o texto da Carol Cunha sobre Annie, uma lenda monstruosa da história da fotogarfia na cultura pop e no rock’n’roll. Matéria mega informativa, didática (pra quem nunca tenha ouvido falar dela), e muito bem escrita.
Faltam textos assim na blogosfera brazuca dedicada à cultura pop. E sobra gente “anarfa”, escrevendo (mal) sobre o que não conhece. Como no próprio portal em que escrevo, o Dynamite online, onde infelizmente blogs como um town art emporcalham e envergonham a arte (arte?) de blogar sobre cultura pop.
Parabéns, Carol! E beijinhos na Natasha, sempre!