[Por Natasha Ramos]
Gênero pouco divulgado no Brasil, o blues ficou relegado ao underground e a mídias especializadas no assunto. Diz a lenda que os músicos que defendem o estilo o preferem assim. Conjecturas à parte, fato é que, hoje, as bandas brasileiras de blues têm mais espaço para tocar do que antes. Pubs proliferaram e festivais dedicados ao gênero foram surgindo em várias cidades do país.
“Não dá para dizer que é o ideal, mas tem espaço sim”, comenta Fábio Levatti, guitarrista, bandolinista e vocalista da Castigo Elétrico ao Palco Alternativo, durante ensaio da banda.
“Quem vive de música gostaria que [o gênero] ‘estourasse’ para ganhar dinheiro”, comenta Roberto Terremoto, vocalista e guitarrista da Castigo Elétrico. “Mas, por exemplo, o [guitarrista, cantor e compositor brasileiro de blues] Big Gilson que fez turnê com simplesmente [o guitarrista e cantor norte-americano de blues] Johnny Winter, considerado um deus nos Estados Unidos. Quantas notas você leu em alguma revista? Não é divulgado”, acrescenta.
“O próprio Celso Blues Boy quando gravou aquela música ‘Mississipi’, com o BB King, só foi notícia no meio do blues. Acredito que, mesmo que tenha se popularizado um pouco, o gênero não vai chegar a ser algo comercial”, acrescenta Fábio.
“Seguidores” do gênero, a banda paulistana Castigo Elétrico, formada ainda por Alê Rossi (baterista) e Ricardo Blane (baixista, saxofonista e backing vocal), existe há dois anos e meio, com um disco virtual na bagagem —Devolve a Minha Sorte— gravado de forma atípica.
“O disco não foi concebido como é normalmente. A gente ensaiava duas músicas e gravava. Depois de alguns meses, alguém da banda trazia mais três, ensaiávamos e gravávamos. Começamos a gravar em 2006 e terminamos em 2007”, explica Fábio.
Assim como aconteceu no processo de gravação do disco, a banda surgiu de maneira despretensiosa. “Eu e o Blane tocávamos juntos desde 1998, numa banda chamada Canalhas Ordinários, que depois virou Artéria, com a qual lançamos dois discos. Em 2006, a banda terminou para valer”, conta Fábio.
“Roberto, que tocou com meu irmão em uma banda chamada Jafer Blue, conhecia o Alê, há bastante tempo, dos projetos de blues deles [além da Castigo, Roberto e Alê tocam em outra banda de blues chamada Bimbols Brothers] e ensaiavam em um estúdio que eu tinha. Já tínhamos amizade. Um dia, conversando, a gente disse ‘Vamos fazer um som?’. Era isso. Não era montar uma banda, era fazer um som”, explica Fábio.
Escolha do nome
A escolha do nome se deu a partir do filme dos Muppets, que, ao que tudo indica, é uma grande influência da banda. “Eu estava assistindo ao filme dos Muppets dublado”, explica Fábio. “A bandinha deles, do animal na bateria, estava tocando em uma igreja, quando entra o Caco, ouve aquela barulheira do inferno e pergunta: ‘quem são vocês?’, no que eles respondem: ‘Nós somos e sempre seremos o Castigo Elétrico’. Na época, a gente já ensaiava, achamos espetacular e tinha que ser esse nome”, acrescenta.
Músicas
“Inclusive a [música] ‘Jorge’ teve a letra inspirada nos Muppets também”, lembra-se o baterista Alê Rossi.
Fábio explica: “Tem um cachorro dos Muppets que toca piano. No primeiro episódio da primeira temporada, ele toca uma música chamada “Eu, Você e Jorge”. Aí, eu tive a ideia de compor uma letra a partir dessa música, na qual eu sou Eu, Você é a menina e Jorge é o que tomou o chifre.”
A composição das letras, geralmente bem-humoradas, é dividida entre Fábio e Roberto, mas conta com a colaboração dos outros integrantes. “Na ‘Toninho Tranca Rua’ eu cheguei [num ensaio] com o refrão ‘Toninho Tranca Rua, gosta de charuto, pinga velha e mulher nua’. Então, tivemos a ideia de fazer uma música sobre um cara que prende o diabo na guitarra”, explica Fábio.
Além dessas, também é deles a “Amélia, ex-mulher de verdade” —música composta por Roberto, que fala de uma Amélia emancipada, muito diferente da Amélia de Mário Lago, no sambinha de 1941—, que, inclusive, foi tocada por outra banda de blues, a Havengar, em uma apresentação.
Apesar da maioria das faixas do álbum ter uma pegada blues, há músicas que saem desse contexto, como a piegas “Seres Humanos” e a “Castigo Elétrico”. Acontece que além de bandas de blues, os integrantes da Castigo tem outras influências…
Influências
Com orientações musicais que passeiam do blues ao rock’n’roll, a banda tem uma proposta aberta a experimentações, dentro desses dois gêneros. Cada um fala quais são suas influências roqueiras.
“Eu sou do punk”, diz entre risos o baixista Ricardo Blane. “Gosto, principalmente, de Ramones, Beatles e Red Hot Chilli Peppers, por conta do baixista Flea”.
“Eu já vou mais prum Van Halen, Led Zeppelin, New Order, Depeche Mode, eu adoro…”, conta Alê Rossi.
“Eu gosto mais dos clássicos, o rock do começo, Elvis, Chuck Berry… E, no Brasil, Raul Seixas, o ícone”, diz Fábio. “Também gosto de bandas, cujas letras são bem humoradas, como Camisa de Vênus e Ultrage [a Rigor]”, acrescenta.
“Blues eu curto de tudo, mas, eu comecei escutando rock’n’roll. A melhor banda do mundo é AC/DC. E a segunda é Lynyrd Skynyrd. Depois vem o resto”, enfatiza Roberto.
Onde ouvir
No site Music Delivery é possível escutar as faixas na íntegra e baixar o disco completo Devolve a minha sorte, do Castigo Elétrico. “A própria Music Delivery já colocou [as músicas] em todos esses sites, como Terra, Uol, Baixahits”, comenta Fábio.
Além desses, é possível ouvi-los no Myspace da banda e no site Palco MP3, onde estão disponíveis oito músicas.
Shows
Durante os shows, predomina o improviso. “O legal do blues é que nenhuma versão é igual à outra, porque é tudo improviso, como no jazz, ninguém quer ver aquele solo do disco”, diz Roberto.
Por enquanto, a banda não tem datas de apresentações previstas. O último show aconteceu em 15 de março, no Ton Ton Jazz, em Moema. Fora esse, a Castigo fez poucas apresentações. A primeira foi na Alltv, uma TV pela internet, depois, em outubro de 2008, eles tocaram na Feira Erótica. Já tocaram no St. Johnns Pub, no Tatuapé, e no Paddy’s Pub, em Santana.
“Nós começamos pelo fim. Começamos gravando o CD para depois tocar em shows”, comenta Roberto.
“É, a gente fez o inverso. Geralmente, as pessoas tocam, tocam, tocam e depois gravam o disco”, confirma Fábio. “A ideia é começarmos a tocar agora e juntarmos uma grana para prensarmos o disco físico. Aí podemos correr atrás de pocket shows nessas livrarias da vida, fnac, Saraiva…”, acrescenta. Com a crise permanente da indústria fonográfica, o CD acabou virando mais um cartão de visitas, do que algo rentável.
Cena alternativa
Por pertencerem a uma cena alternativa, os músicos brasileiros de blues, ídolos para muita gente como o Celso Blues Boy, não são intangíveis como muitos músicos do rock ou pop.
“O Paulo Meyer, um gaitista das antigas, é muito gente boa. Já dei canja com ele várias vezes em shows”, conta Roberto que mantém um blog especializado no gênero, no qual entrevista vários músicos de blues. “O [carioca] Celso Blues Boy veio tocar em São Paulo, certa vez, e recebeu a gente super bem no camarim…”. acrescenta
Segundo eles, a cena de blues nacional costuma ser mais forte no Rio de Janeiro, terra do músico Big Gilson. “Esse cara é patrocinado pela Marshall. É o único guitarrista da América Latina que tem Marshall com o nome dele no amplificador. E quase ninguém escutou o nome desse cara até hoje”, comenta Roberto, voltando ao ponto de que os músicos de blues não recebem a devida atenção da imprensa.
Talvez a autenticidade do blues permaneça pelo fato de, justamente, não ter sido um gênero que caiu nas graças da grande mídia. Permanecendo no underground, o blues conservou sua identidade, atraindo para si apenas quem realmente se interessa por essa vertente da música negra.
One thought on “RAIO-X: blues rock com os paulistanos do Castigo Elétrico”